Não é segredo que plataformas e serviços de streaming estão constantemente buscando “novidades” (entre aspas bem grandes, já que muitas nem sempre são tão novas assim e a Arqueologia das Mídias nos ajuda nisso), mas o fato é que elas buscam funcionalidades para acrescentar aos seus menus, satisfazer e reter seus assinantes e usuários.
Nessa linha de atuação, a Netflix e o TikTok estão incorporando games ao conteúdo disponibilizado, cada um deles com peculiaridades próprias, coerentes com seus serviços e funcionalidades. Além de falar um pouco sobre essas incorporações, vamos tentar traçar elementos que abordem a pergunta que queremos especular: “por quê?”
A Netflix já flerta com os games há algum tempo. Quando lançou a segunda temporada da série Stranger Things (2017), disponibilizou um jogo promocional, para IOS e Android, dentro da temática anos 80 e em um estilo 16 bits. Mais recentemente, em 2021, lançou a aba jogos dentro de seu aplicativo. Nele, os assinantes – sem propagandas ou custos adicionais – podem escolher livremente entre os títulos disponíveis. Ao escolhê-los, são encaminhados à loja de aplicativos de seu smartphone e, após baixar o jogo, são redirecionados para o aplicativo da Netflix, jogando “dentro dele”.
Disponível em todo o mundo desde novembro de 2021, a funcionalidade foi testada inicialmente em alguns países da Europa (Polônia, Itália e Espanha – para ser preciso), desde agosto de 2021. Vale destacar que a disponibilidade do serviço se deu de forma gradual, sendo que nem todos os assinantes brasileiros conseguiram utilizá-lo ainda em 2021.
Já o queridinho dos vídeos curtos anunciou suas primeiras tentativas ainda em 2022. Embora, tecnicamente, ela já possua alguns jogos, como “Disco Loco 3D” (desenvolvido pela Zynga), a proposta visa possibilitar uma experiência gamer mais tradicional. Os testes foram iniciados no Vietnã, em função do perfil de usuários no país (70% têm menos de 35 anos).
A perspectiva que se desenha é que os jogos sejam simples (sem mecânicas avançadas), feitos em HTML5 e rodados dentro do próprio aplicativo, gerando retenção dos usuários e possibilitando interação entre eles. Além da Zynga, famosa pelos clássicos do Facebook City Ville, Café Mania, são anunciados como estúdios parceiros da iniciativa : Voodoo, Nitro Games, FRVR, Aim Lab e Lotem.
O movimento de Netflix e TikTok parece, num primeiro olhar, isolado, afinal de contas, cada uma segue um nicho de atuação bem específico. Mas James Birt e Barren Paul Fisher, ambos da Universidade Bond, chamam atenção para características que unem os serviços e podem nos ajudar a entender a busca pelos games:
Assim, por mais que sejam destaque no ramo em que atuam, Netflix e TikTok são “só” serviços de streaming, diferente da Disney e da Amazon, por exemplo. Ou seja, aquela que é a atividade fim e fonte de receita delas é apenas uma fatia (e às vezes nem tão expressiva) das suas concorrentes.
Além dessa questão financeiro-concorrencial, que influencia bastante os rumos dos serviços, precisamos observar uma segunda camada na relação entre assinantes/usuários e os serviços. Vamos usar a Netflix como exemplo: no fim da década de 1990, quando foi lançada, ainda como serviço de aluguel de DVDs, um dos grandes diferenciais da Netflix era o sistema de recomendação. Somado a ideia de “você assiste o que quiser”, já como streaming de vídeo, a “gigante do Tudum” cria um laço com seu assinante, entregando uma ideia forte de “eu te conheço”, “posso te sugerir o próximo título”, “tenho (quase) certeza que vais gostar disso”, bem como chama a participação do assinante no desenho desse perfil (antigamente pelo sistema de notas, hoje pelo “não é para mim”, “gostei” e “amei”).
Essa interação, que opera os serviços de streaming como dispositivo¹, vai para além daquelas interações que o assinante percebe (dentro e fora do serviço), elas alcançam o tempo de aceite ou rejeição de um título, o tipo de thumb que mais agrada aquela pessoa, as tags e etc. Ao incorporar jogos em suas funcionalidades, Netflix e TikTok aumentam a retenção e interação de seus assinantes e usuários. Cerca de 80% da população online é, em algum nível, gamer. Se formos falar do Brasil, quase 50% dos gamers dizem que o smartphone é seu suporte preferido para jogos.
A retenção do público é valiosa mesmo sem monetizar diretamente essa ação, ao fazê-lo as empresas avançam um pouco contra a passividade do assistir e, principalmente, ganham mais informações sobre seus assinantes e usuários – o tipo de jogo, as características narrativas e de personagens, o tempo e atenção despendidas, os movimentos, conhecimentos – tudo isso é capaz de gerar mais dados que, por sua vez, vão ser revertidos em funcionalidades, conteúdo original, narrativas cruzadas (ou transmídia).
Respondendo à pergunta inicial, por que ir para os games? Porque assim o assinante e usuário vai interagir mais com o serviço e, ao fazê-lo, vai disponibilizar mais tempo e informações, alimentando ainda mais os bancos de dados e possibilitando que os algoritmos façam seu trabalho e produzam de forma melhor o sentimento de “foi feito para mim”.
Autor: Lucas Mello Ness
¹Sobre o tema: https://seloppgcom.fafich.ufmg.br/novo/publicacao/territorios-afetivos-da-imagem-e-do-som/
Fontes:
https://canaltech.com.br/apps/tiktok-comeca-a-testar-com-games-online-na-plataforma-216775/
https://br.ign.com/tiktok/100823/news/tiktok-testa-games-dentro-do-aplicativo
https://adrenaline.com.br/noticias/v/75731/tiktok-tem-planos-para-integrar-games-em-seu-servico
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