No último dia 7, o laboratório de pesquisa Digilabour organizou uma live sobre a greve que envolveu os profissionais de Hollywood. O movimento teve início no mês de maio pelos roteiristas e depois ganhou adesão dos atores em julho de 2023. O primeiro grupo finalizou suas negociações em setembro e o segundo grupo em novembro. Para comentar sobre essa mobilização das respectivas categorias, participaram da conversa representantes dos sindicatos Writers Guild of America (WGA) e Screen Actores Guild – American Federation of Television and Radio Artists (SAG-AFTRA): Katie Tibaldi (diretora, roteirista e produtora), Monique Alvarez (atriz, roteirista e produtora), Justin Carter (ator, diretor, roteirista e produtor) e Victoria Pollack (roteirista e produtora de atores). O encontro contou com a moderação do professor Rafael Grohmann (Universidade de Toronto) e da pós-doutoranda Madison Trusolino (Dalhousie University).
O sucesso da greve foi creditado ao poder da união. “As pessoas subestimam o poder dos dos trabalhadores”, comentou Justin. A colaboração de diversos profissionais da indústria foi celebrada durante o encontro on-line. Segundo Victoria, a discussão repercutiu não apenas entre os roteiristas e os atores, mas tornou-se uma inspiração para outros setores da indústria do entretenimento. Nesse sentido, foi reforçada a importância dos sindicatos para a proteção dos direitos e representação dos trabalhadores, fazendo com que suas vozes sejam ouvidas.
Foram diversas lições aprendidas com a paralisação das atividades. Katie salienta que o movimento contribuiu para muitos reavivarem uma das principais paixões na vida: a vontade de contar histórias. “Queremos contar todos os tipos de histórias, desde que tenham sentido para nós”, falou. A greve permitiu que os membros da indústria compartilhassem suas preocupações, inclusive com engajamento social para reverberar essas demandas.
Uso de inteligência artificial
As negociações, como de praxe, envolveram melhores salários, mas, desta vez, surpreenderam ao incluir a pauta do uso de inteligência artificial (IA) na produção de filmes e seriados. Aliás, essa pauta foi ganhando cada vez mais destaque durante os meses da greve. Os atores buscaram garantir que suas imagens digitais não fossem recriadas sem autorização. Segundo Justin, este foi o primeiro movimento a sinalizar os perigos da IA. “É uma nova fronteira e precisamos aprender a lidar com isso. Os profissionais são humanos e os estúdios não podem fazer o que quiserem com o nosso trabalho. Temos que nos manter protegidos. É preciso usar essa ferramenta a favor dos artistas”, argumentou.
Victoria acredita que é preciso se adaptar a essas emergentes tecnologias, porém, se deixar para o governo, levará alguns anos para se ter uma regulação efetiva. Por isso, ajustar os termos com os estúdios se tornou uma questão de proteção e de responsabilidade ética. “Como movimento político, é preciso pensar à frente. A Netflix está contratando servidores de IA para substituir o nosso trabalho. Olhe o que está acontecendo com o jornalismo… Não queremos informações produzidas por não-humanos. Queremos que chequem os fatos”, comentou Katie.
Se o material for produzido por uma inteligência artifical, Justin acredita que vai se perpetuar uma lógica que deve ser ultrapassada. “A IA desenvolve a partir de material já produzido, sendo que a maioria do material a disposição foi produzido por homens cisgêneros heteressexuais. Dessa forma, vai se continuar perpetuando essas narrativas e marginalizando mulheres, pretos, LGBTs…”, disse o ator, diretor, roteirista e produtor.
O fator humano foi evidenciado durante a conversa promovida pelo Digilabour. ”A nossa experiência de vida é de onde buscamos nos conectar com os outros, principalmente através das emoções”, explicou Monique. Concordando com a colega, Victoria argumentou que ser preciso uma valorização das corporações por quem cria conteúdo. “Somos nós que criamos as histórias. É preciso reconhecer esse poder, respeitar todos os profissionais que formam essa engrenagem que faz girar a indústria. É nossa responsabilidade manter a participação humana na criação das histórias”, pontuou.
Celebridades e experiência
Também foi discutido o impacto do movimento para as celebridades, que não puderam divulgar seus projetos durante o período de greve. A atriz Jessica Chastain foi citada como uma das famosas que utilizou constantemente seu espaço na mídia para abordar uma maior valorização dos profissionais de Hollywood pelos estúdios. Enquanto isso, o elenco de filmes-sensação do ano, como “Barbie” e “Oppenheimer”, tentaram se distanciar das pautas da categoria. “Os eventos de tapete vermelho são oportunidades para os atores, diretores e roteiristas mostrarem seu poder na indústria e apoiar o movimento. Não precisa citar especificamente quais nomes e estúdios, mas apoiar o movimento e sua luta”, comentou Victoria.
As condições precárias de trabalho apareceram a partir do relato pessoal de Katie. Ela contou que a Disney lhe ofereceu um trabalho que pagava 10 dólares por hora. Além de um salário abaixo do mínimo, teria que se mudar para a Califórnia. “Poderia ser uma oportunidade que me permitiria adentrar um grande estúdio, mas eu precisava me manter em Los Angeles. Esse salário não seria suficiente. Então, tive que recusar. Esse tipo de situação só irá mudar quando compartilhamos nossas experiências e buscamos melhores condições”, falou.
O movimento grevista que ocorreu nos Estados Unidos pode servir de referência para outros países, fazendo com que os trabalhadores busquem seus direitos na indústria do entretenimento. “Só assim foi possível atingir os nossos objetivos”, reforçou Justin. Deste modo, os convidados da live afirmaram ser indispensável a criação e a permanência de espaços para que se proliferem os debates. A mobilização, segundo Monique, serviu também para mostrar às gerações mais jovens como os sindicatos funcionam e como são necessários para manter as relações mais justas de trabalho.
NA ÍNTEGRA:
Clique aqui para assistir a live “Hollywood Strikes: Learning from WGA Strike Unite” na íntegra no canal do Digilabour.
Texto: Max Cirne
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