A tese “Audiovisualidades plataformizadas de mulheres musicistas independentes” foi defendida no dia 3 de outubro de 2024, às 11h, em modalidade online, pela agora doutora Belisa Zoehler Giorgis. A banca contou com a participação dos professores Dra. Paula Maria Guerra Tavares (Universidade do Porto), Dra. Suely Dadalti Fragoso (UFRGS), Dra. Beatriz Brandão Polivanov (UFF) e Dr. Gustavo Daudt Fischer (Unisinos). A orientação da pesquisa foi do professor Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes.
Em sua apresentação, Belisa explicou que a motivação da pesquisa foi a de promover um olhar sobre o que as musicistas mulheres produziram audiovisualmente diante do cenário da pandemia da Covid-19, incluindo os desafios no processo e as estratégias utilizadas por elas a partir da necessidade de divulgação dos novos trabalhos musicais exclusivamente online.
Para tal, a metodologia articulou os seguintes procedimentos: método intuitivo, cartografia, relatos de vida e métodos digitais. Inicialmente, o método intuitivo serviu para estabelecer o misto e o problema de pesquisa, definido por: “como se atualizam as cenas musicais independentes de Porto Alegre e Milão em seus processos audiovisuais das mulheres musicistas durante a pandemia da Covid-19?”.
Na sequência, a instauração da cartografia incluiu o movimento de flânerie para constituição do corpus. Foram realizadas buscas no Google, tanto em português quanto em italiano, utilizando para cada idioma nove combinações de termos de busca. Com isso foi feito um mapeamento das musicistas independentes das cenas de Porto Alegre e de Milão que são cantoras, compositoras e instrumentistas, assim como dos audiovisuais publicados em plataformas digitais para divulgação de seus lançamentos musicais entre março de 2020 e agosto de 2021. Foram também mapeadas profissionais e pesquisadoras de ambas as cenas. Com o método dos relatos de vida foram realizadas entrevistas com as artistas Bel Medula, Bianca Obino, Clarissa Ferreira, Dessa Ferreira, Gabriela Lery, Francesca Incudine, Giungla, Guendalina e Micol Martinez, e com as profissionais e pesquisadoras Alice Castiel, Letizia Angelini, Luiza Padilha, Marian Trapassi e Silvia Tarassi. Os métodos digitais foram utilizados para extração e codificação/categorização de postagens no Instagram das artistas, com vídeos para divulgação dos novos trabalhos musicais, a partir de uma seleção que interseccionou os dez mais curtidos e os dez com mais comentários.
A pesquisa iluminou duas constelações: “Audiovisualidades plataformizadas pandêmicas” e “Redes musicais e gênero”. A primeira delas entende as plataformas como mídias, sendo o audiovisual plataformizado percebido como uma experiência ampliada numa articulação entre cultura e tecnologia. Foi possível observar os processos audiovisuais desenvolvidos pelas artistas a partir da forma de processamento dos efeitos de um meio, como os usos e apropriações que evidenciam as dimensões cultural, técnica e discursiva desses audiovisuais.
Para as questões pandêmicas, a discente observou posts e vídeos que marcadamente traziam referências ao período da pandemia (gravados ou lives produzidas no ambiente doméstico, com as artistas sozinhas, sem interações diretas com outras pessoas, etc), reverberando estratégias adaptativas ao contexto. Destacaram-se também os usos e apropriações de affordances como “link na bio” e hashtags, assim como geolocalização, textos e legendagem, postagens de fotografias em carrossel para construção de narrativa e visibilidade, dentre outros elementos. Embora proporcionem a construção de comunidade, as estruturam plataformizadas geram um crescimento em forma de bolha.
Por outro lado, a constelação “Redes musicais e gênero” trabalhou a concepção de uma cena musical como rede sociotécnica, conectada a identidades coletivas, sociabilidade e busca de interesses relacionados à um projeto criativo. As interações em rede por parte das artistas oferecem pistas sobre a articulação de ambas as cenas musicais.
São questões vinculadas a um ethos DIY ou “faça você mesmo”, contemplando um estilo de vida que abarca o empreendedorismo, na construção de sua atuação em rede efetivando networking profissional, e ao investirem elas próprias financeiramente em suas carreiras. Alia-se a isso a frequente qualificação formal no âmbito da música, inclusive mais capacitadas do que muitos homens nas cenas musicais independentes, e uma atuação que ocupa espaços tidos como incomuns às mulheres na música, compondo e tocando instrumentos para além de cantar. Esses fatores levaram a enfocar a cartografia das artistas naquelas que, além de serem cantoras, são também compositoras e instrumentistas.
A atuação em música dentro da condição de mulheres e as questões injustamente desafiadoras que isso carrega, como a necessidade de ser DIY e multitarefa no âmbito das cenas independentes, revelaram a demanda de ações para promover divulgação online, ainda mais em um período de pandemia. Foram consideradas questões que se referem a gênero, interseccionalidade, apagamento das mulheres na música, sexualização dos corpos femininos e o fato de serem mais duramente criticadas em sua atuação na música do que os homens, sendo consideradas articulações complexas desdobradas das ondas mais recentes do feminismo e diferenças entre o norte e o sul globais.
Avaliação
A banca promoveu diversas discussões e contribuições a respeito da pesquisa, que recebeu elogios por apresentar uma estrutura muito adequada e com esmero na escrita. Foi considerada uma tese dotada de muita potência, pois utiliza um conjunto de eixos que vão das audiovisualidades à plataformização, originando um trabalho de relevância para os estudos de tecnocultura em interface com música e desdobrado em gênero e interseccionalidade. Como possível caminho futuro, foi sugerida a ampliação do olhar para outros contextos geográficos e de tempo, observando outras cenas musicais independentes, e a estruturação de uma base de dados relacional atualizável a partir das
coletas.
Texto: Max Cirne
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