- Os textos que compõem esta seção constituem uma investigação dos procedimentos técnico-metodológicos utilizados nas pesquisas de mestrado e de doutorado de integrantes e de egressos do Grupo TCAv.
Título do trabalho: A rosticidade da tecnocultura na galáxia National Geographic
Nível: Doutorado
Autor: Marcelo Salcedo Gomes
Orientadora: Dra. Suzana Kilpp
Ano de defesa: 2017
Tags: Comunicação; Rosticidade; Tecnocultura; Imaginário; Cartografia; Constelações; Molduras.
Link da tese: http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/6671
Marcelo Salcedo Gomes é doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, com experiência nas áreas de fotojornalismo, fotodocumentarismo, teorias da comunicação, semiótica, midiatização, fotografia publicitária e ensino de fotografia. Além do campo da Comunicação, é bacharel em Psicologia pela pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, atuando como psicólogo clínico do CAPS Casa Aberta em Osório.
Em sua tese de doutoramento, “A rosticidade da tecnocultura na galáxia National Geographic”, defendida em 2017 sob orientação da professora Dra. Suzana Kilpp, toma como corpus da pesquisa as capas da National Geographic Magazine, tendo como principal objetivo apontar marcas da rosticidade da tecnocultura a partir de em uma cartografia de molduras e moldurações implexas [na fabricação (produção)] de imagens-rosto que se manifestam concretamente em tecnoimagens nas mídias e na cultura visual reprodutível (em geral), cujas durações nutrem-se e alimentam um imaginário globalmente compartilhado.
A pesquisa parte das seguintes questões: O que estes devires-rostos dizem sobre a tecnocultura contemporânea? Como e o que a rosticidade comunica sobre a tecnocultura? Como e o que a rosticidade da National Geographic comunica sobre a rosticidade da tecnocultura? Ou ainda: O que e como a capa da National Geographic, tomada como rosto, comunica sobre a revista, sobre o dispositivo midiático e sobre a rosticidade enquanto qualidade comunicacional da tecnocultura? Para atender tais questões, a metodologia em sua tese se desenvolve no fazer do pesquisador e na experimentação do objeto. Nesse movimento, Gomes produziu uma cartografia, construiu mapas dinâmicos, flanou a procura de fragmentos, criou constelações e realizou dissecações de elementos das molduras e moldurações do objeto.
Gomes parte de Deleuze e Guattari para pensar a cartografia, a qual tem como premissa acompanhar um objeto, trabalhando na construção de cada caso. Neste movimento, houve a construção de mapas dinâmicos, criou-se constelações e realizou-se apontamentos sobre ethicidades com base nas molduras e moldurações dos objetos, adotando o método de dissecações de elementos materiais. A cartografia, portanto, entende-se ser um método de reconhecimento do pesquisador, não um método a priori, o qual vai sendo construído (investigado e mapeado durante o processo). Tal acionamento metodológico é composto por elementos heterogêneos, desconstruções de ideias, conceitos, textos e imagens que são moldurados pelo autor como mapa que apresenta o percurso da pesquisa. Ela constitui-se de fragmentos de textos de autores, de editoriais, cartas de leitores, artigos e tecnoimagens. Assim o mapa visa produzir um território em que sejam perceptíveis os desejos.
Para Gomes, a “rosticidade na tecnocultura na galáxia da National Geographic” só foi possível por terem sido realizadas as cartografias que o levaram para algumas constelações (as fisionômicas), as quais são os tentáculos midiáticos da revista e o modo como ela atua no tempo. Desse modo, se fala da memória da revista, uma revista que tem interesses estratégicos políticos/econômicos, mas que sofreu muitos tensionamentos durante a sua existência – o que nos ajuda a pensar em “como” esse rosto se modificou. Para isso, o autor selecionou algumas capas da revista da National Geographic (NG) para realizar a análise das ethicidades, onde volta mais o seu olhar para o desenvolvimento tecnológico.
Assim como o objeto, na leitura realizada a tese também promove uma construção em meio a análise como se ela passasse pelas transformações socioculturais, políticas e econômicas. É preservado o caráter histórico-sócio-político para explicar e situar o momento da revista e o que acompanhava seu desenvolvimento e avanços (a importância e influência do mundo/ambiente em articulação com uma produção de caráter científico/educativo). São marcas, também, de um imaginário coletivo que passam a constituir o sentido da imagem (da própria marca/revista).
A partir de uma apresentação de toda a gama de produtos e variantes da National Geographic Society (NGS), é realizada uma documentação e levantamento de todas as fisionômicas do universo NG. As quatro fisionômicas que o autor define a partir desse levantamento são: Fisionômicas Fotográficas, Fisionômicas Televisivas, Fisionômicas Web e Fisionômicas Impressas.
No esquema acima, produzido pelo próprio autor, são reunidas as documentações coletadas para, a partir delas, determinar suas quatro fisionômicas. Conforme o autor propõe, a National Geographic se apresenta como um dispositivo através do qual as pessoas “veem†o mundo através das lentes da tecnociência, atravessado por interesses políticos e comunicacionais.
Após esse movimento, o autor define o recorte desse universo a ser explorado, focando na fisionômica impressa, sendo esta a fisionômica mais importante da revista, o que leva o autor a analisar determinadas edições. Portanto, dá-se início a uma análise das revistas com aplicações dos procedimentos metodológicos de maneira mais ampla – sempre mantendo um viés historiador, ou como a proposta inicial da National Geographic, um “explorador aventureiroâ€. Foi investigado desde boletins geográficos até uma revista que se tornou de massa. Depois disso, o autor parte para um estudo da mudança do design da capa da revista, onde são explorados os elementos que as constituem. Se a National Geographic Society tem um rosto, ela tem um corpo, e o corpo é a revista, pois é na revista que toda a instituição sintetiza toda a sua imagem.
Outro movimento metodológico que aparece em suas observações são os conceitos de ethicidades – molduras, moldurações e molduramentos, bem como dos imaginários, método inspirado em Suzana Kilpp, cujo procedimento tem como objetivo a desnaturalização do olhar sobre o objeto. Esse procedimento visa a compreensão do que é propriamente midiático na mídia (construções midiáticas que se atualizam na mídia, nas imagens técnicas).
No esquema elaborado pelo autor, é apresentada uma sintetização das observações sobre as ethicidades que nos indicam de que forma as imagens-rosto da revista se transformam de diferentes maneiras em diferentes momentos históricos, passando a constituir outras experiências a cada atualização. A capa da revista traz aspectos fundamentais ao longo dos anos, se estabelecendo como um grande arquivo composto por fragmentos da memória inscritos imageticamente. A partir desta visada, o autor passa a questionar o caráter comunicacional da rosticidade das capas da revista.
Na imagem, podemos observar parte da cartografia de molduras e moldurações visíveis na mancha gráfica das capas, realizada na pesquisa. Tal cartografia tem como objetivo estabelecer algumas relações e mostrar as sobreposições entre certas molduras, procurando compreender de que forma certas marcas da evolução do design das capas refletem os momentos de tensão e transformação dos sentidos enunciados às determinadas ethicidades.
A partir disso, o autor constela (constelações benjaminianas) as diversas fisionômicas da National Geographic Society, desde as suas origens, ou seja, como ela se desdobra em diversas mídias, com a intenção de cartografar as molduras e moldurações que engendram sentidos às imagens rosto. Portanto, para observar a rosticidade da revista, são apresentadas três constelações: Imagem Dialética Ético-Estética, Imagem Dialética da Tecnocultura e Imagem Dialética da Alteridade. É a partir dessas três constelações que são observadas as transformações da capa da revista NG, a qual nos traz um dos melhores exemplos das origens históricas de um processo de midiatização da ciência.
A exploração e dissecação dos processos para a construção das capas se fazem produtivas para conseguirmos adentrar no imaginário. Para Gomes (2017, p. 198), “as cartografias de determinadas molduras e moldurações, a produção de constelações e a criação de imagens dialéticas são também formações culturais, eleitas a partir da moldura- corpo do pesquisador através de afectos e perceptos e visam a mostrar os fragmentos retirados de seu contexto original que, reunidos em torno de ideias, passam a ser lidas em novo universo relacional que contém a imagem do todoâ€. Assim, o autor realiza um exercício de desmontar as capas para visualizar as molduras.
Imagens Dialéticas da Ético-Estética
Nesta constelação, são reunidos os traços da fabricação das subjetividades virtuais, um tensionamento entre sentidos políticos, científicos e comunicacionais, molduras sólidas (“publicação séria”) que não modificam pela própria tradição da revista e outras flexíveis (a necessidade de se midiatizar), que vão se modificando e dando um rosto diferente para revista a cada momento. Temos a extrapolação do quadrilátero amarelo e a sua importância como símbolo/rosto para todos os produtos da marca NGS: a moldura de todas as molduras.
Imagens Dialéticas da Tecnocultura
Na constelação Imagens Dialéticas da Tecnocultura, é trabalhada a forma como a National Geographic enuncia as evoluções da própria técnica, analisando algumas capas, trazendo evoluções tecnológicas que servem como temática revista – a qual começou a assumir isso.
Imagem Dialética da Alteridade
Na apresentação e análise dessa constelação, o autor apresenta como a revista trata a questão do “eu” e do “outro” e como ela constrói sentidos éticos e estéticos para essas ethicidades. A revista sempre traz o outro sempre de uma forma benevolente.
As galáxias são a parte mais produtiva do trabalho: os recortes e as montagens de novas imagens que o autor produziu para concretizar o conceito de rosticidade em seu objeto. A cartografia realizada e a coleção de dados proporcionaram ao autor conceber que as moldurações fotográficas se desenvolveram estética e tecnicamente, e que se mantiveram alguns traços da rosticidade histórica da revista e inventou-se outros, anunciando ethicidades. Assim, as fotografias escolhidas pelo autor demonstram constelações de ethicidades que ele percebe serem relevantes para compreender as marcas da rosticidade no tempo, os momentos de ruptura ou estabilização de padrões ou movimentos, nos quais ele aponta elementos do novo e do antigo que se fundem no presente. As ethicidades são consideradas a base para a observação dessas transformações das imagens-rosto na revista, as quais indicam de que forma esses rostos se transformam de diferentes maneiras em diferentes momentos históricos. Assim, foi possível defender a rosticidade ser uma qualidade comunicacional da tecnocultura.
Referências:
GOMES, Marcelo Salcedo. A rosticidade da tecnocultura na galáxia National Geographic. Tese (doutorado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, 2017.
GOMES, Marcelo Salcedo. As naturezas éticas e estéticas da rosticidade nas e das imagens midiatizadas. XVII Semana da Imagem, 2019. Disponível em: https://youtu.be/8w_7gMelXEQ.
KASTRUP, Virginia. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia & Sociedade, v. 19, n. 1, p. 15-22, jan/abr., 2007.
Texto: Camila de Ávila
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