Seguimos em mais uma edição da série “Minha pesquisa no TCAv” onde serão apresentadas as pesquisas de estudantes da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais em uma perspectiva sobre como essas pesquisas empíricas contribuem para compreender as audiovisualidades e a tecnocultura a partir dos objetos empíricos.
Então, me apresentando, sou Bibiana da Silva de Paula, mestranda na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais, no PPG em Ciências da Comunicação da Unisinos, bolsista CAPES e integrante do grupo de pesquisa TCAv. Possuo bacharelado em Jornalismo (UFPEL) e a minha pesquisa atual surgiu como motivação em dar continuidade e aprofundar o percurso já iniciado na minha investigação anterior, que foi na especialização em Poéticas Visuais (Feevale). Meus interesses de pesquisa também já eram um desdobramento do meu trabalho ainda mais antigo com artes visual e sonoras, que já se situavam na interseção entre Comunicação, Tecnologia e Artes. Minha pesquisa de mestrado até o momento está intitulada: O artista parasita: a gambiarra como processo experimental em artemídias sonoras e é orientada pelo professor Tiago R. Lopes. Nesta investigação venho observando trabalhos de artemídia que operam com processos híbridos de artesania e de subversão de dispositivos dispersos na sociedade, para invenções de obras sonoras.
Nestes trabalhos artísticos, atento a alguns procedimentos gambiarrísticos, de livre experimentação, que visam acordar dispositivos obsoletos. Entre estas técnicas alternativas estão o hardware hacking – que propõe abrir e adulterar funções de aparelhos tecnológicos, bem como o circuit bending – procedimento que provoca intencionalmente curtos-circuitos de baixa voltagem em dispositivos, para que se possa extrair assim sonoridades disruptivas – e demais artimanhas eletrônicas alternativas que dizem respeito a processos relacionados a luteria de instrumentos sonoros.
Através de procedimentos como estes, a gambiarra estremece as diversas audiovisualidades convencionais que transitam nos dispositivos técnicos prefigurados e seus usos na tecnocultura. Isto porque tais técnicas gambiarrísticas comportam-se como interferências na relação sinal-ruído que acabam por resultar em audiovisuais inesperados.
Da mesma, forma a gambiarra reaviva estas estruturas promove e diálogos entre novas e velhas mídias. E sendo assim, também é possível refletir que estas relações podem culminar em transformações tecnoculturais através das artes.
Eu fiz um gráfico do esquema da gambiarra, pensando especificamente nesse ambiente em que ela é vista na minha pesquisa, até o momento, a fim de tentar entender o processo pelo qual passa um artefato gambiarrado e o ecossistema da gambiarra.
A esfera em azul delimita um espaço conceitual abrange, a esfera sociotécnica, no qual agem alguns atores responsáveis por práticas especulativas, que visam acordar estruturas obsoletas. Essa demanda vem na forma de input, que parte de situações de precariedade ou de alguma necessidade surgida na sociedade.
Logo, uma vez inserida uma estrutura ou artefato nesta esfera, através deste input, este objeto passa por interferências. Como é o caso do Artefato A (artefato A e B diz respeito ao mesmo objeto)que em razão das necessidades, sofre ação da Gambiarra. Esta,por sua vez, articula diversas práticas especulativas que transformam o objeto. Esse processo de transformação tanto traz à tona camadas temporais contidas neste artefato quanto insere novas camadas concomitantes à ação da gambiarra. Neste processo, o Artefato A é modificado em sua essência e recebe novas atribuições, muitas vezes completamente diferentes do que realizava anteriormente. Estas novas atribuições são condizentes à etapa Habilitação. Desta forma, podemos dizer que esta transformação nos deu um novo artefato, que será nosso output, o Artefato B. Entre o Artefato A e o Artefato B temos um Elo Temporal como um fio condutor que auxilia na compreensão deste artefato como um todo.
Como abordagem aos objetos empíricos – trabalhos de artemídia sonoras – desenvolvi um laboratório que chamo de Laboratório de Hacking. Penso nos laboratórios criativos como uma forma de abordar outras orientações cognitivas/epistemológicas do conhecimento, o problematizo a partir de Ernst (2016), Hertz e Parikka (2016).
Este labhack se refere a um espaço aberto à experimentação conceitual e aplicada, voltado a escavar dispositivos tecnológicos/artísticos/comunicacionais, ou seja, realizo experimentos e também observo laboratórios de outros artistas a fim de tentar compreender as diferentes utilizações da gambiarra e suas tecnologias. A imagem abaixo ilustra meu quase caótico lab.
Essa proposta empírico-exploratória considera também o som como uma materialidade a ser experimentada. Pensar o som em laboratório significa observar o tempo e os processos tecnológicos, conforme indicado por Ernst (2015). Também desta forma, a sonoridade funciona como um vetor que tem a importância de direcionar a problematização sobre as microtemporalidades das mídias (Parikka 2015). Essa é uma camada de escuta conceitual que tem a intenção de obter um acesso mais ampliado, então, à essas temporalidades mais profundas das mídias, acessando e ouvindo as materialidades das mídias e das tecnologias desses artefatos.
Normalmente os trabalhos artísticos nas materialidades mídia-arqueológicas representam alguma relação de afeto e que indicam reflexões de como esta tecnologia transforma e se transformou em nossa sociedade.
Sendo assim, o artista parasita das mídias, através de suas técnicas evidencia o ‘agir’ laboratorial dos processos da gambiarra. E através dessas técnicas gambiarrísticas o parasita propõe outras formas de expressão, através do som, quando modifica dispositivos que passam uma nova mensagem através desses novos (e velhos) artefatos (re) criado por ele. E dessa forma a gambiarra dá a ver nas materialidades obsoletas das mídias, esses elos entre temporalidades e assim, expõe as diferentes formas de seu uso, suas tecnologias e utilizações na tecnocultura contemporânea, tanto esteticamente quanto conceitualmente.
REFERÊNCIAS:
ERNST, Wolfgang. Digital Memory and the Archive. University of minnesota press minneapolis. Londres, 2015.
HERTZ, Garnet; PARIKKA, Jussi. Mídia zumbi: desvio de circuito da arqueologia da mídia para um método de arte. Teccogs: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, TIDD | PUC-SP, São Paulo, n. 14, p. 93-113, jul-dez. 2016.
PARIKKA, Jussi. Arqueologia da mídia: interrogando o novo na artemídia, Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n.39, p. 201-214, maio/ago. 2017.
PARIKKA,Jussi. A geology of media. Minneapolis:University of Minnesota Press, 2015.
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