Meu nome é Augusto Bozzetti e nesta sexta edição da série “Minha pesquisa no TCAv”, onde são apresentadas as pesquisas de estudantes da linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais, vou procurar falar do meu envolvimento no grupo de pesquisa para tentar dar a ver como o agir laboratorial contribui para compreender as audiovisualidades da tecnocultura a partir dos objetos empíricos.
Atualmente, estou no segundo ano do doutorado, mas a minha participação junto ao TCAv vem desde o mestrado, também cursado na mesma linha, de forma que o projeto de pesquisa atual é até certo ponto uma extensão daquele iniciado em 2017, quando entrei para o PPGCC UNISINOS pela primeira vez.
Naquele primeiro momento, motivado pela atuação no grupo de pesquisa a imprimir no trabalho uma visada tecnocultural, ou seja, um olhar que propõe “pensar culturalmente as tecnologias e entender as propriedades tecnológicas em ação na cultura†(FISCHER, 2013, p.52), cheguei a um recorte onde a análise da série “He-Man e os Defensores do Universo” procurava perceber como os desenhos animados, ainda que produzidos de forma completamente analógica, podiam ser entendidos enquanto produtos que antecipavam o comportamento das mídias digitais, a partir de um banco de dados que era operado por um algoritmo, conforme MANOVICH (2001).
Sendo, portanto, conteúdos produzidos a partir de um código, a sugestão foi de que os desenhos animados podem ser “decodificados†e, uma vez que isso é feito, podem ser também reescritos para produzirem o mesmo efeito, mesmo que isso ocorra quase quarenta anos após a produção original.
As animações então se mostraram devedoras da reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 1986) de uma maneira que difere do cinema tradicional feito com atores e que me permitiu recriar algumas cenas de “He-Man†a partir de um procedimento de dissecação e matching que indicou quais elementos das artes se repetiam e quais eram substituídos por outros a cada frame.
Assim, minha pesquisa de dissertação provocou a pensar como a estrutura de banco de dados, entendido como uma audiovisualidade de uma tecnocultura contemporânea (da era digital) já se ensaiava em um ambiente pré-digital por conta da organização modular que é típica dos desenhos animados.
Disposto a levar minhas inquietações adiante, ingressei no doutorado com o intuito de investigar os elementos presentes nas imagens fílmicas que podem ser entendidos a partir do conceito de animação, mas que não são assim tradicionalmente descritos. Intrigado pela ideia de BAZIN (2014) de que o cinema nasceu com o desejo de recriar o mundo natural, mas que só conseguiu em sua origem reproduzir as dimensões do real que a técnica disponível no final do séc. XIX o possibilitava (ainda sem cor ou som, por exemplo), passei a entender que além da fotografia, a outra técnica que originou o cinema havia sido a animação – várias imagens que, exibidas em sequencia e em determinada velocidade, criam a ilusão do movimento.
No entanto, a fotografia é quem tem sido extensamente problematizada, enquanto a animação segue sendo tratada como um gênero cinematográfico, com seus conteúdos próprios e, consequentemente, como um nicho de pesquisa dentro do campo do audiovisual, de forma que se durante o mestrado eu havia identificado que a falta de trabalhos voltados à animação criava no meio acadêmico uma espécie de lacuna onde me parecia fértil tentar desenvolver uma pesquisa, agora a ideia foi de propor um projeto que de alguma forma tensionasse esses pressupostos e que pudesse reposicionar o conceito de animação epistemologicamente no estudo das audiovisualidades.
Assim como foi no mestrado, a metodologia da investigação de agora se baseia na arqueologia das mídias, um movimento que evita o olhar historicista canônico sobre as mídias (HUHTAMO, PARIKKA, 2011), principalmente tomando a internet como local para escavar e encontrar os materiais que possam interessar à pesquisa. Adicionei a este movimento o ato de colecionar objetos de mídia (principalmente vídeos) para posterior análise, para o qual foi fundamental uma espécie de gambiarra utilizando o aplicativo de mensagens Whatsapp. Muito embora este app não permita o envio de mensagens para si mesmo, tal ação se torna possível ao criar um grupo (sempre com duas pessoas ou mais) e depois excluir todos até restar somente o organizador. Assim, criei o grupo “Movimento nas Imagens” onde passei a jogar links e arquivos de som ou imagem que ia encontrando ao longo do percurso.
A vantagem de fazer isso no Whatsapp ao invés de criar uma pasta no computador é que o aplicativo permite dar play em praticamente qualquer suporte de vídeo, mesmo “linkado” a outros sites ou aplicativos (como Youtube e Instagram, por exemplo) além de marcar a data em que o objeto é colecionado e poder guardar os links sem ter que fazer o download (muitas vezes demorado) no momento em que o material é encontrado. Isso me permitiu manter a observação mesmo sem estar “oficialmente” trabalhando ou diante do computador, pois o smartphone acaba se tornando onipresente e, assim, uma ferramenta muito útil nesse tipo de movimento.
A partir disso, após coletar um volume significativo de vídeos, iniciei uma cartografia, um movimento metodológico com base em CANEVACCI (1997) que organiza os materiais empíricos criando sentidos que dão a ver suas virtualidades, onde procurei perceber questões de animação se atualizando em imagens fílmicas, que vêm a ser as audiovisualidades que me interessam. Assim, surgiram as primeiras coleções de vídeos e imagens, cuja direção começou a apontar para um ambiente um pouco mais amplo e consideravelmente mais interessante, onde os “filmes” deram lugar à tecnocultura de maneira geral, o que me permitiu encontrar em outras mídias, não somente as tradicionais mais narrativas como cinema e TV, questões sobre o movimento capazes de tornar ainda mais complexo o conceito de animação que move o trabalho desde o início.
Dessa maneira, cheguei a uma nova formatação da pesquisa, que agora está ocupada em perceber como o movimento se atualiza nas imagens da tecnocultura e de onde já foi possível realizar um primeiro movimento de Pré-Análise em duas coleções, uma que se ocupa da ideia de viagem no tempo e outra que percebe no usuário contemporâneo a função de animar as próprias imagens que este está consumindo.
Assim se encontra o atual estágio desta pesquisa, no momento sob o título de “O movimento nas imagens da tecnocultura†e que em breve passará pelo Seminário de Tese da linha, onde professores e colegas analisarão o trabalho feito até aqui. A partir disso, a intenção é de ampliar a análise sobre as demais coleções (e outras que vierem a surgir) para poder chegar ao ponto de organiza-las dentro de constelações, de onde pretendo dar a ver as questões que por ora ainda se escondem por trás destes empíricos.
REFERÊNCIAS
BAZIN, André. O que é o cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. São Paulo: Studio Nobel, 1997.
FISCHER, Gustavo. Tecnocultura: aproximações conceituais e pistas para pensar as audiovisualidades. In: KILPP, Suzana; FISCHER, Gustavo (org.). Para entender as imagens: como ver o que nos olha? Porto Alegre: Entremeios, 2013.
HUHTAMO, Erkki; PARIKKA, Jussi. Introduction: An archaeology of media archaeology. In Media archaeology: Approaches, applications, and implications, University of California Press, 2011.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2001.
Texto: Augusto Bozzetti
Revisão: Camila de Ávlia
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