“Is the Internet a Museum of Computing?”: Entrevista com Peter Krapp

Intitulada “Is the Internet a Museum of Computing?”, a palestra do pesquisador Dr. Peter Krapp (Universidade da Califórnia Irvine) abrirá a nossa 20ª Semana da Imagem. Professor de Estudos de Cinema e Mídias na UCI e, também, parceiro do TCAv, Krapp é autor das seguintes publicações: “Medium cool” (2002), “Déjà vu: Aberrations of cultural memory” (2004), “Noise channels: Glitch and error in digital culture” (2011) e “Handbook language – Culture – Communication” (2013). Além disso, seus interesses de pesquisa perpassam as questões acerca da memória cultural, história e teoria dos gadgets, jogos e simulações nas representações cinematográficas e digitais.

Com o intuito de nos aproximarmos dos pontos que serão tratados durante a sua fala de hoje na Semana da Imagem, 07/11 às 17h, o pesquisador concedeu uma entrevista à Camila de Ávila, doutoranda e integrante do TCAv.


Você compreende que a preservação da história da computação é importante para a evolução da tecnologia? Poderia comentar brevemente sobre?

A questão acerca de saber se a história da computação pode ajudar na evolução da tecnologia é provavelmente muito ampla e, certamente, entendemos a evolução como algo que não é guiado ou programado pela história (e a história como algo menos lento que a evolução). Então deixe-me reformular a pergunta: para que serve a história da computação? Quando Nietzsche, notoriamente, exigiu que só deveríamos nos interessar pela história se ela fosse útil para a vida, ele distinguiu três modos – uma história monumental que admira grandes realizações selecionadas, uma história de “antiquário” que ama o velho por si mesmo e uma história crítica que separa o útil do inútil ao se voltar para o futuro.

Embora a história da computação ainda seja um campo de pesquisa bastante jovem, podemos reconhecer facilmente (em muitas publicações) a tentação de reduzi-la a apenas alguns dispositivos de referência ou a listas simplistas de grandes inventores (altamente problemáticos de várias formas). A abordagem antiquária que “musealiza” o legado dos dispositivos de computação é fascinante, mas os museus de computação são ainda mais jovens que os estudos sistemáticos na história da computação, e colocar dispositivos antigos sob redomas de vidro protetoras pode fazer pouco para promover a apreciação e a compreensão das contribuições feitas ou das oportunidades esquecidas.

Em terceiro lugar, a história crítica é distinta dos dois modos anteriores – ela não se entregaria à adoração de heróis ou pronunciamentos universais, pois está muito ciente de quão frágil o estado atual do conhecimento pode se tornar, nem se contenta com anedotas preciosas sobre dispositivos obscuros e sua representação e preservação. A história crítica não “fofocaria” nem generalizaria, mas buscaria pretensões de validade para interrogar, modelos promissores e experimentos mentais para serem avaliados e, ao fazê-lo, poderia valorizar a descontinuidade sobre a linhagem fácil, os desvios sobre a filiação.

É claro que nem todo mundo vê a história da computação em termos tão nietzschianos – podem haver motivos para celebrar pioneiros e ideias inovadoras, e podem haver motivos para colecionar dispositivos mais antigos, mesmo e especialmente quando correm o risco de cair na obsolescência. Você pode ver as pessoas fazendo um caso pedagógico ou didático para essas abordagens. No entanto, a maior parte do trabalho acadêmico interessante que está sendo feito atualmente na história da computação tende a ser do tipo crítico.

Ao compreendemos que as mídias digitais nem sempre estarão lá nos esperando com o conteúdo, de que elas também são degenerativas, esquecíveis, apagáveis, de que maneira se dá a relação entre memória-esquecimento-obsolescência nas práticas de “reunir, consultar, comemorar e musealizar o que sabemos sobre a computação”?

Quando falamos sobre “esquecer” em relação à computação, geralmente pensamos primeiro no fato de que os computadores fazem cada vez mais o trabalho de nos “lembrar” (números de telefone, endereços, aniversários etc. – para não mencionar tudo o que as pessoas costumavam lembrar, mas agora procuram na Wikipédia), ou do fato de que os dispositivos de computação são construídos para a “obsolescência planejada”, encorajando-nos a atualizar, adaptar-se à última geração e descartar dispositivos mais antigos.

A combinação desses dois fatores – dependemos mais de dispositivos externos para armazenar informações e nos vemos compelidos a substituí-los em intervalos mais curtos – leva diretamente à questão de como, por que, onde se pode reunir, consultar, comemorar e musealizar o que nós (costumávamos) saber sobre computação: os museus podem fazer isso? Como eles devem fazer isso e, se houver aspectos com os quais se deparam com desafios, outras instituições podem complementar a esse respeito? E, de forma mais geral, o que motiva essa luta quixotesca contra o esquecimento intencional que é tão prontamente suportado pelo ecossistema de computação em que nos encontramos?

Quais os fatores que podem ser apontados que impactam na preservação desde a história do computador, de máquinas analógicas e digitais antigas, mainframes e de minicomputadores e microcomputadores até criação de redes descentralizadas, incluindo a história da internet? Existem iniciativas que buscam realizar este movimento de preservação e de musealizar esses registros?

A preservação da história do computador é mais do que apenas poder apontar para uma riqueza de máquinas obsoletas ou ideias interessantes. Uma vez que se vai além dos relatos simplistas da “teoria do grande homem” ou da “teoria da grande máquina” da história do computador, há vertentes distintas no debate atual, pois alguns preferem enfatizar uma história da engenharia, outros uma história social e econômica da computação; alguns colocam em primeiro plano os inventores e outros os desenvolvedores. O significativo patrimônio cultural de calculadoras e computadores só começou recentemente a ser comemorado e mais sistematicamente “musealizado” fora dos arquivos da indústria.

As organizações culturais (bibliotecas, museus, arquivos, universidades) desempenham papéis importantes na preservação não apenas do conhecimento, mas no acesso a ele, na compreensão e no contexto para ele, além dos “consolos” superficiais de listas e cronogramas. Se a história da ciência é a história de nosso mundo feita por nossas ferramentas, e a história da tecnologia é a história de nossas ferramentas feitas por nosso mundo, elas não se relacionam entre si como o estudo da teoria e da prática. A história da tecnologia ou a história da ciência podem ou não conter as mesmas noções de colecionabilidade, amostragem representativa, aquisição e desvinculação que um curador de obras de arte tem, mas agora vemos um número crescente de instituições que procuram curar, preservar, pesquisar e explicar a história da computação da mesma forma que fazemos com outros aspectos de nossa herança digital.

Isso começou com a manutenção de papéis e projetos na década de 1980, e desde a década de 1990 inclui a tentativa de adquirir, restaurar, manter e exibir exemplos funcionais de computadores da história, desde máquinas analógicas e digitais antigas até mainframes e minicomputadores, e microcomputadores até a criação de redes de computadores descentralizados, incluindo a história da Internet. Um fator intrigante é o papel desempenhado pelas réplicas e pela emulação. Embora alguns possam argumentar que as réplicas não são tão “autênticas” ou “auráticas” quanto as originais, elas oferecem o benefício significativo do acesso. A emulação, é claro, faz parte da história da computação e entrou em jogo relativamente cedo, pois as máquinas precisavam ser capazes de executar códigos escritos para outras máquinas. Também estamos vendo uma série de esforços para oferecer simuladores online totalmente funcionais de ambientes de computação mais antigos, o que significa acesso mais amplo à sua lógica funcional, se não ao seu hardware antigo.


Lembramos que a 20ª Semana da Imagem na Comunicação acontece entre os dias 07 e 10 de novembro, das 17h às 19h30, com transmissão via Zoom e em nosso canal do YouTube (para saber mais, confira o nosso release completo). O evento é gratuito.

Texto: Camila de Ávila.

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