“É assim que eu me lembro”: Entrevista com Julherme Pires

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O último dia da 20ª Semana da Imagem promove a exibição dos curta-metragens “É assim que eu me lembro”, do Dr. Julherme Pires, e “Meu pai vestido de trabalhador”, da Ms. Analu Favretto, com o debate “Da pesquisa ao filme” junto aos seus realizadores. O evento é gratuito e ocorre no formato on-line, das 17h às 19h30. A transmissão de cada uma das mesas será através do Zoom e do canal do TCAv no YouTube.

Em entrevista ao TCAV, Julherme relaciona seu curta-metragem com a tecnocultura, cruzando paisagens da memória e do afeto por meio da técnica, através de uma viagem pelos arquivos de um intercambista no Vietnã. Julherme Pires é doutor e mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, na linha de pesquisa Mídias e Processos Audiovisuais, bacharel em Jornalismo e especialista em Cinema e Realização Audiovisual pela Unochapecó. Além disso, é membro do Grupo de Pesquisa Audiovisualidades e Tecnocultura: Comunicação, Memória e Design (TCAv). Confira a entrevista:

TCAv: De que maneira os estudos da linha de pesquisa 1 e o grupo Tcav influenciaram na concepção da obra?

Julherme: Para mim, o filme surge a partir de uma práxis de pesquisa, ou seja, não existiria sem as minhas investigações junto à linha e ao grupo. Os processos mentais que me conduziram durante a montagem das cenas foram similares aos que eu faço enquanto pesquisador. Tanto no projeto quanto na feitura do filme, mobilizei conceitos que estudamos, como o de memória, que foram centrais para eu qualificar o que estava fazendo. Em geral, trata-se de um resultado direto da pesquisa, quase como um objeto criado nos laboratórios do TCAv.

Trecho do Filme “É assim que eu me lembro”, 2022

TCAv: O quanto a produção audiovisual se contagiou com o tema da memória, com o tempo, com as imagens, com a vida, com Bergson etc.? 

Julherme: Então, tudo né? Depois que eu passei a estudar na Linha 1, eu me transformei não só um pesquisador da linha 1, mas um artista da linha 1. Porque esses estudos são muito presentes no nosso Imaginário, não é uma coisa dissociada. Muito pelo contrário, acho que de certa forma eu fui formado enquanto artista nessa perspectiva. Tudo que eu faço a partir de agora tem a ver com isso. 

A menção ao Bergson (logo no início do filme) revela isso logo de cara. Eu faço essa menção porque eu considero um trecho muito importante do livro em que ele mostra essa condição que a gente tem, do olhar. Por isso inclusive essa posição no EU, é assim que EU me lembro. Outras pessoas, outros corpos vão se lembrar diferente. 

Ao mesmo tempo essas materialidades condicionam as minhas memórias. Muitas vezes eu não me lembro das cenas em si, mas eu lembro das imagens. Então as imagens reformulam a própria memória. Elas enquadram a memória da gente, enquadram as nossas lembranças. Todas essas reflexões são Bergsonianas, são Deleuzeanas, são Benjaminianas. Não tem como dizer que eu não fiz parte de uma escola que pensa comunicação e arte, não é mesmo? A gente pensa em temporalidades, em materialidades, então é muito na criação, na formulação das suas materialidades, as teorias e esses modos de ver. Esses objetos que eu encarei na tese fazem parte sim da constituição dos objetos que eu produzo, que eu crio. 

Eu acho isso excelente, porque é um grande diferencial da linha 1. De pensar a natureza dos objetos em geral. É algo que a gente vê em PPGs que estudam cinema, por exemplo. A abordagem costuma ser estudando o conteúdo do filme, os atravessamentos sociais e antropológicos. Nós lidamos com isso também, mas a gente vai para a tecnoestética, para as formas, para o desenvolvimento das tecnologias e a relação com a cultura e a memória. É uma pegada da filosofia na comunicação. Isso que eu acho fantástico para o artista. Para quem cria é outro mundo.

Eu fui foi muito a fundo no Bergson e pensei muito a respeito disso. Tem muito parte da Suzana nisso como orientadora. Ela que eu acho ser a pessoa responsável por amarrar a genealogia teórica que a linha 1 trabalha até hoje. Ela sempre colocou questões muito de base, de essência dessas teorias, que agora eu vejo mais do que nunca que tem total a ver com os objetos que nós criamos ou analisamos.

E tem uma outra questão que é pensando os objetos Brasileiros. Eu estudei essa coisa da tecnotropicalidade. Nesse filme aparece um pouco. Ele é um filme brasileiro, ele é um filme de um artista brasileiro que vai pensando essa coisa do arquivo. Para denotar essa importância de olhar, dos arquivos para as lembranças, eu trouxe especialmente pela questão sonora. O ambiente computacional que eu utilizei para editar. No início do filme como se estivesse ligando o computador e no final ele está desligando o computador como no momento de edição.

TCAv: Para você, qual é a importância de participar da Semana de Imagem?

Julherme: Participo da Semana da Imagem desde 2015, e sempre saio do evento muito animado e cheio de ideias. No ano passado, fiz uma participação como conferencista sobre a minha tese, o que me deixou bastante feliz pela valorização dos nossos trabalhos pelo programa. É um importante meio de comunicação do que fazemos na linha de pesquisa e um meio precioso de encontro entre a ciência e a graduação. Este ano, ao debatermos produtos audiovisuais que pensam entre outras coisas conceitos que estudamos, estaremos fazendo um movimento curioso de desdiscretização de nossos procedimentos de criação. Estou bastante curioso sobre como será essa dinâmica, o que virá dos espectadores.

Texto: Priscila Boeira, com informações de Gabriel Palma

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