20ª Semana da Imagem encerra com debate sobre cinema e memória

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O último dia da 20ª Semana da Imagem promoveu o debate “Da pesquisa ao filme” na presença dos pesquisadores e realizadores audiovisuais Julherme Pires e Analu Favretto, que desenvolveram curta-metragens a partir de seus estudos acadêmicos no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Após a exibição de “É assim que eu me lembro” (Pires, 2022, 16 min) e “Meu pai vestido de trabalhador (Favretto, 2022, 7 min), a discussão abordou várias temáticas, como cinema, imagem, lembrança, afetividade e memória. A mediação foi do professor Dr. Gustavo Daudt Fischer (Unisinos).

Doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos, Julherme Pires tem experiência profissional e acadêmica nas áreas do audiovisual e da cultura. É bacharel em Jornalismo e especialista em Cinema e Realização Audiovisual pela Unochapecó. Já Analu Favretto é graduada em Cinema e Audiovisual pela UFPel e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Seus interesses circundam questões tecnoculturais e atualizações de construtos de ruralidades. 

O curta-metragem apresentado por Analu foi produzido na sequência de uma obra dedicada à sua mãe, intitulada “Tempo de Roça” (2021, 5 min). Este ano, com “Meu pai vestido de trabalhador”, foi a vez de explorar a figura paterna através de um olhar da infância, quando seu pai tinha determinados horários para estar em casa e costumava vestir o uniforme do trabalho. O filme foi feito durante cerca de quatro horas, desde a gravação do áudio, passando pela reunião das fotografias analógicas e o download dos vídeos do YouTube, até a edição final no computador. 

Enquanto Analu levou um dia, o projeto de Julherme foi de uma gestação muito mais longa. As imagens utilizadas datam de um intercâmbio social realizado durante os meses de dezembro de 2014 e janeiro de 2015 no Vietnã, cujas gravações ficaram em um HD externo por seis anos, sendo acessadas para contemplar um edital da Lei Aldir Blanc. Para Julherme, mostrou-se uma oportunidade de voltar à produção a partir do que estava pensando sobre o audiovisual após os anos de mestrado e doutorado. 

O curta-metragem foi desenvolvido sem roteiro. “Fui cartografando essas imagens no Adobe Premiere e o filme começou a surgir na timeline, sem saber a duração que teria”, conta. A primeira leva de imagens totalizou 60 minutos, que sofreram gradativamente cortes até os 16 minutos finais. Ele dedicou esforços na correção das cores, na estabilização do som e na confecção de uma plasticidade visual harmônica, apesar de deixar os ruídos do ambiente e alguns tremidos de câmera. “[O resultado] é um construto, mas o arquivo se impõe na construção do próprio filme”, argumenta. 

Durante o debate, Analu foi questionada sobre a continuidade da série de filmes dedicados à família. Depois de abordar a mãe e o pai em suas produções, seria a vez de fazer um retrato voltado a sua pessoa, a filha? “Sempre pensei minha relação com as imagens a partir do outro”, entrega. O próximo passo, segundo a cineasta, é o projeto a respeito do seu irmão, sendo uma ficção. Ao contrário das figuras canônicas apresentadas, considera a relação entre irmãos por vezes inventada, forjada e até mesmo dissimulada. Ainda que não descarte a possibilidade de fazer um exemplar sobre si mesma, acredita que se expõe bastante a partir da narrativa de seus familiares.  

Assim como o trabalho da Analu ativa imagens do time do Grêmio, da televisão aberta e da família, o curta-metragem de Julherme ativa as memórias sobre o Vietnã. “Essas imagens são como pontas de iceberg, cada uma delas tem uma história. Relações, afetividades, memórias, está tudo junto. É uma vantagem e também um desafio lidar com as imagens-lembranças da técnica”, fala o pesquisador.  

Para Julherme, “Assim que eu me lembro” reflete uma sociedade dependente dos arquivos audiovisuais, sendo refém da tecnoestética. “A nossa memória acaba moldada por essas tecnologias da imagem, máquinas de visão, enfim. Ao mesmo tempo que temos uma lembrança, só as imagens técnicas recuperam algumas. Várias coisas que eu não lembrava – ou não lembrava com tantos detalhes. São molduras também, nos direcionam o olhar”, reflete. 

Essas relações entre imagem e memória se relacionam com os estudos desenvolvidos no grupo de pesquisa Audiovisualidades da Tecnocultura: Comunicação, Memória e Design (TCAv), o qual ambos participaram durante a pós-graduação. “Quando se tem contato com Bergson, Benjamin e Flusser, muda tudo a respeito do que se pensa sobre imagem, memória e a própria vida. É muito impactante”, revela Analu. A experiência junto ao TCav instigou a cineasta na experimentação da linguagem audiovisual, principalmente a partir do choque do seu corpo com as imagens. 

Entre os planos futuros, Analu deve realizar o prometido curta-metragem dedicado ao irmão e outro sobre uma comunidade rural de Chapecó (SC). Também espera o ingresso no doutorado. Enquanto isso, Julherme está escrevendo um romance de fantasia científica e um projeto de pós-doutorado em História da Arte, com a intenção de continuar discutindo o conceito de tecnotropicalidade abordado em sua tese. Possui interesse em desenvolver mais produções audiovisuais. 

Assista na íntegra o debate do quarto dia da 20ª Semana da Imagem:

Texto: Max Cirne

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