#TecnometodologiasTCAv: Imagens feitas para sumir

  • Os textos que compõem esta seção constituem uma investigação dos procedimentos técnico-metodológicos utilizados nas pesquisas de mestrado e de doutorado de integrantes e de egressos do Grupo TCAv.
Título do trabalho: A efemeridade na tecnocultura: escavações em aplicativos de imagens feitas para sumir
Nível: tese de doutorado
Autor: Lorena de Risse Ferreira
Ano de defesa: 2019
Orientador: Dr. Gustavo Daudt Fischer
Tags: efemeridade, tecnocultura, arqueologia das mídias, stories
Link da tese: http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/8698

Lorena de Risse Ferreira é graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Unisinos (2012), Mestra em Comunicação e Informação pela UFRGS (2014) e Doutora em Ciências da Comunicação novamente pela Unisinos (2019). A pesquisadora, integrante do Grupo de Pesquisa TCAv, tem como foco de interesse temas como Teoria da Imagem, Histórias das Mídias, Produção Audiovisual, Comunicação Efêmera, Branding, Marketing Inbound, bem como Teorias da Comunicação e Metodologias de Pesquisa, além de coordenar a Casulo Presença Digital, empresa voltada à produção de conteúdo digital estratégico, gerenciamento de redes sociais e mentoria personalizada.

Em sua tese de doutorado, intitulada “A efemeridade na tecnocultura: escavações em aplicativos de imagens feitas para sumir”, defendida no ano de 2019, sob orientação do professor Dr. Gustavo Daudt Fischer, Ferreira lança mão de um desenho de pesquisa composto pelo Método Intuitivo de Bergson, acionado na construção do objeto e do problema a ser enfrentado, pela Arqueologia das Mídias, que propõe um olhar ampliado a diferentes temporalidades de dispositivos e experiências que dialogam com o objeto, permitindo uma ampliação do corpus e um melhor entendimento de sua gênese e pelas Constelações Benjaminianas, coleções que se constituem como forma de dar a ver os diferentes construtos que operam as imagens efêmeras.

No intuito de amarrar melhor os conceitos e teorias utilizadas durante o processo investigativo, a pesquisadora optou por transformar o Método Intuitivo em uma espécie de metodologia guarda-chuva, uma vez que sua inclinação em perceber o tempo como duração – ou seja, onde cada instante está initerruptamente ligado ao outro, negando os intervalos que constroem a ideia de passado, presente e futuro – constrói um lugar de fala próprio, o que a permitiu realizar as perguntas necessárias, traçar melhor o corpus e tornar todo o processo mais preciso, dando assim, suporte para os movimentos arqueológicos e às consequentes constelações produzidas.

LABORATÓRIO EFÊMERO

Após um primeiro momento escavatório que permitiu Ferreira discutir a respeito da qualidade efêmera das imagens, foi realizado o movimento arqueológico principal, direcionado a perceber o funcionamento dos recursos do tipo Stories nas plataformas Facebook e Instagram e do recurso similiar Snap, do Snapchat. No entanto, com a dificuldade em captar e manter as imagens para posterior análise, uma vez que esse tipo de aplicação faz com que estas desapareçam 24 horas após terem sido postadas, foi realizado um exercício laboratorial que permitiu construir algumas práticas metodológicas específicas e mais ajustadas ao objeto. O conjunto dessas atividades, realizadas em dezembro de 2017 no Laboratório de Pesquisa Avançada em Comunicação e Informação da Unisinos (Labtics), foi chamado então de Laboratório Efêmero, que consistiu em 10 visitas ao espaço, onde foi realizada a coleta das imagens e também sua observação.

Pela dificuldade em gravar a própria tela do celular, optou-se por conectar o smartphone a um computador, onde este poderia realizar as tarefas de captura de maneira mais eficaz, ao espelhar a tela do primeiro dispositivo no segundo e fazendo uso de aplicações que o celular não dispunha. Foram obtidos, assim, 50 vídeos com duração de até 15 minutos cada que puderam ser observados de maneira mais atenta e desnaturalizada em comparação ao que normalmente acontece cotidianamente, realizando os procedimentos de desmagicização  ou dissecação das imagens (uma análise profunda de diferentes elementos e camadas das imagens retiradas de seu fluxo original), crucial para provocar o desencantamento necessário à observação crítica.

IMAGEM-FLUXO E IMAGEM-ESPECTAÇÃO

Este trabalho de escavação permitiu a Ferreira perceber algumas lógicas distintas de funcionamento dos aplicativos no que tange à sua qualidade efêmera, autenticando, inicialmente nas suas interfaces, aquilo que a pesquisadora chamou de Imagem-Fluxo, uma imagem particular moldada às ações do usuário que carregam o sentido de comando (menu) de ações que convidam a outros lugares da plataforma.

Em um segundo conjunto de imagens, a pesquisadora percebeu outra configuração, onde apesar dos elementos funcionais como botões e caixas de texto, suas superfícies são reconhecidas como imagens puras e simples, como algo que o usuário produz e mostra. A estas imagens, mais comprometidas com as experiências de exibição e visualização, foi dado o nome de Imagem-Espectação, um tipo de imagem que convida para o seu consumo ao evitar informações que prejudicam sua atenção.

CONSTELANDO AS IMAGENS EFÊMERAS

Após a coleta e observação das imagens, a investigação do trabalho rumou para a criação de um universo onde as múltiplas percepções deram a ver territórios particulares da pesquisa, permitindo a identificação de quatro constelações diferentes.

A primeira constelação de imagens foi chamada de “O olhar do outro”, que se debruça sobre imagens que têm como principal característica o olhar do protagonista. São casos em que o usuário produtor tem os olhos voltados para a tela do celular, procurando passar um tipo de mensagem direcionada para um espectador em especial, na tentativa de criar um “link de olhar”.

Esse tipo de performance encontrada na primeira constelação foram as que mais apareceram durante a coleta realizada por Ferreira.

A segunda constelação foi chamada de “Marcas do tempo e de controle” e busca perceber os elementos imagéticos que enunciam as características de efemeridade (de que essas imagens foram feitas para sumir) ao produzirem sentidos de temporalidades, uma espécie de prazo de validade de 24 horas.

Aqui, Ferreira se interessa também em perceber os códigos estéticos que não se esgotam apenas nos formatos audiovisuais dos Stories e Snaps, mas que transbordam para outras mídias, dando a ver sua potência imagética em diversos níveis.

À terceira constelação foi dada o nome de “Disfarces do presente”, cujo interesse recai sobre um tipo de “estética testemunhal”, um construto de tempo real que procura criar a ideia de presente nesses aplicativos. Para a pesquisadora, esse aspecto das imagens efêmeras cria um novo contrato de visualidade que é próprio destes aplicativos.

Como vemos na figura acima, a sequencia de imagens detalha o caminho para que o usuário acione um filtro qualquer (neste caso, vomitar arco-íris). São imagens que não são publicadas (a não ser a última) e que existem apenas na experiência do usuário com o aparelho, descrito na pesquisa como um aspecto do ritual de espelhamento que os aplicativos convocam.

Finalmente, à quarta e última constelação, chamada de “Paradoxos”, a pesquisa deu a ver os paradoxos presentes nos modos de agir da efemeridade. Dualismos como memória e esquecimento ou efemeridade e arquivo, por exemplo, são constantemente acionados e percebidos como mantendo uma convivência mútua.

O paradoxo entre memória e esquecimento vem à tona em práticas adotadas pelos aplicativos que guardam e devolvem aos usuários não apenas suas imagens veiculadas, mas também suas ações de interações realizadas em algum momento no passado.

IMAGICIDADE EFÊMERA DIGITAL

Como resultado deste extenso processo investigativo, baseado no desenho entre o Método Intuitivo, a Arqueologia da Mídia e as Constelações, Ferreira traça como Reviravolta, ou seja, o movimento que devolve à duração do objeto um novo significado apreendido, o conceito de Imagicidade Efêmera Digital, o modo pelo qual a efemeridade na tecnocultura se atualiza nos materiais empíricos observados e que, através desta pesquisa, foi possível ser identificado.

Texto: Augusto Bozzetti
Revisão: Max Cirne

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