#TecnometodologiasTCAv – A metodologia do invisível

  • Os textos que compõem esta seção constituem uma investigação dos procedimentos técnico-metodológicos utilizados nas pesquisas de mestrado e de doutorado de integrantes e de egressos do Grupo TCAv.
Título do trabalho: Rastros do Invisível no Plano Cinematográfico
Nível: Doutorado
Autor: Ricardo Weschenfelder
Orientador: Dra. Suzana Kilpp
Ano de defesa: 2016
Tags: Invisível, rastros, cinema, memória

Ricardo é graduado em em Cinema e Vídeo pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2002), mestrado em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009) e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2016). Professor nos cursos de Publicidade e Propaganda, Design Gráfico e Jogos Digitais na UNIFEBE – Brusque e Coordenador do curso de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual na mesma instituição. Atua também como realizador audiovisual.

Em sua tese Ricardo explora os rastros do invisível na percepção e na memória do espectador apresentadas no filme Eclipse (1962) de Michelangelo Antonioni. Durante a pesquisa desenvolveu a proposta do rastro do invisível na percepção e na memória do espectador de cinema – a passagem do visível ao invisível (e vice-versa) no plano cinematográfico. Para Ricardo a imagem deixa rastros dentro e fora do quadro, sendo possível pesquisar o tensionamento dialético entre o dentro e fora do plano de cinema. Nesse caso, dadas as considerações teóricas de extra-campo (conceito inicial) que passaram às do rastro do invisível, o autor considerou como pergunta da pesquisa, como funciona no cinema a dialética entre a presença e a ausência que é compartilhada no tempo entre imagens e o espectador?

A metodologia do invisível proposta na tese compreende observar os rastros produzidos entre as imagens e entre o campo visível e invisível do plano cinematográfico. Toma como referência a análise audiovisual constituída pela metodologia das molduras desenvolvida por Suzana Kilpp (2002). Assim, deslocando a metodologia das molduras para o plano cinematográfico, dissecou e analisou para além do enquadramento a remissão e sobreposição dos quadros no cinema: ao cortar o fluxo natural do filme e remontá-lo de outra forma, foi possível ver o que habitualmente não se veria: o invisível entre as imagens (WESCHENFELDEN, 2016, p.20).

Como primeiro movimento de busca pelos observáveis, ainda a partir do conceito de extra-campo, Ricardo aponta sua pré-análise a partir das dissecações das sequências de três filmes – A Marca da Maldade (1958) de Orson Wells, A Fita Branca (2009) de Michel Heneke e O desprezo de Jean Luc-Godard (1963). Neles analisa cenas e planos com o objetivo de autenticar imagens dialéticas do invisível, para depois utilizá-las como conceitos operacionais de análise para o corpus da pesquisa elegidas nas cenas e quadros do filme Eclipse. Nessa pré-análise seguindo os procedimentos da dissecação, primeiro descreve frame a frame o que acontece em cada uma das 4 sequências de cada um dos três filmes, segundo os enquadramentos da câmera. Depois da descrição ele analisa as ações dos personagens primeiramente no enquadramento, que são percebidas nas extremidades do quadro, depois a partir de movimentos da câmera. Ou seja, segundo técnica elegida por cada cineasta.

Em A Marca da Maldade, na primeira sequência, ele identifica como o extra-campo é atualizado constantemente ao ser introduzido no quadro a partir do movimento de câmera. Esse movimento de câmera permite que se crie relação com o espectador colocando-o como olhos ausentes na cena – o espectador vê o que os personagens no extra-campo não vê. Também como os espelhos e reflexos duplicam a presença dos personagens produzindo montagens de espaço e tempo dentro de um mesmo enquadramento, o qual ele propõe ser os (re)quadros.

Plano sequência do filme A Marca da Maldade (1958) divididos em seis frames, demonstrando o deslocamento de dois casais dentro e fora do quadro – (Re)quadros

No segundo filme, A Fita Branca, o procedimento da dissecação permitiu perceber que como a câmera estava distante da ação principal, o espectador não tem acesso total ao que acontece na cena. Nesse caso, em alguns momento vemos através da visão dos personagens o que havia sido mostrado ao espectador (o que estava no plano extra-campo nesse caso é mostrado de outra forma ao espectador). Ricardo identifica o extra-campo a partir do ponto cego – espaços no enquadramento que criam lacunas visuais e temporais entre os olhares dos personagens e do espectador. Outro caso é o movimento de câmera, que oscila entre mostrar e esconder as ações, produz rotações de tempos, entre diferentes formas de estar presente e ausente, ou dentro e fora do quadro (WESCHENFELDEN, 2016 p. 57)  

Sequência do filme A Fita Branca (2009) dividida em três frames demonstrando os espaços no enquadramentos que criam lacunas visuais e temporais entre os olhares dos personagens e do espectador – Ponto Cego

No terceiro filme, O Desprezo de Jean-Luc Godard, identifica nas cenas os diferentes tempos dentro do mesmo quadro, quando o filme embaralha a orientação espacial do espectador. A profusão de portas e paredes nas cenas, esconde e cruza, por alguns instantes, os olhares dos personagens em cena. Assim a duração real da cena não poderia ser medida – a cena se desenrolaria por meio de saltos no tempo.

Sequência do filme O desprezo de Jean-Luc Godard (1963) dividida em cinco frames que produzem montagens temporais dentro do espaço da cena

Foi a partir dessa pré-análise que ele autenticou as imagens dialéticas do invisível que permitiu inventar as constelações sobre as quais passou a pensar o corpus da pesquisa. Elas foram intuídas a partir das primeiras dissecações na pré-análise e passaram a ser os conceitos operacionais utilizadas na análise do filme O Eclipse (1962) de Michelangelo Antonioni.

A dissecação de imagens em movimento, nesse sentido, pareceu-me ser um procedimento técnico propício à análise dos quadros, o que neles muda, permanece ou segue na montagem: o invisível se fazendo na imagem. Acredito que o aspecto formal adotado na pré-análise, isto é, o de descrever para depois analisar a cena, foi importante, pois, criou, assim, o entendimento de como a cena age para depois analisar as suas virtualidades e possibilidades como imagem invisível. Tais mudanças podem envolver a presença e a ausências dos personagens, da câmera, do cenário, de objetos, de olhares, etc. (WESCHENFELDEN, 2016 p. 69)

Para cada conceito operacional – Olhos ausentes, Pontos cegos, (Re)quadros e Rotações – Ricardo fez constelações de imagens no plano cinematográfico para dar conta dos rastros do invisível. A dissecação foi utilizada para cortar e remontar as imagens do filme analisando frame a frame o modo que eles deixam rastros entre um e outro, revelando presenças escondidas a partir de cada conceito operacional, compreendendo o que é o invisível entre as imagens.

Análise de uma sequência do filme O Eclipse (1962)
Análise de uma sequência do filme O Eclipse (1962)

Os enquadramentos e a montagem dos planos no filme O Eclipse muitas vezes apontam para o que está em outro lugar ou tempo na narrativa: personagens, cenários, objetos e diálogos desaparecem de cena e deslocam-se para o plano ainda não visto. Isto faz com que as imagens de Antonioni não sigam a centralidade e objetividade do olhar clássico, porque existe uma abertura da dimensão do quadro em que, nem sempre, o que está enquadrado, é o que mais interessa (WESCHENFELDEN, 2016, p.157)

Assim, para perceber o conceito do invisível no projeto o autor teve que realizar a primeira dissecação, que proporcionou ver outras tendências no plano do cinema – o tempo a imagem dialética e a memória ganharam destaque na pesquisa. A sua metodologia de análise foi aplicada para rastrear a presença do tempo que afeta a imagem, e dialeticamente mostra e deixa de mostrar. Assim, para o autor, essa imagem (in)visível está no plano da memória do espectador e foi a partir dos conceitos propostos que buscou desvendar o tempo e a memória do invisível na percepção do espectador de cinema.

Texto: Flóra Simon da Silva

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