SPOTIFY, SOFTWARE DISFORME: A secundarização da interface gráfica como maturidade do software na tecnocultura

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A pesquisa intitulada “SPOTIFY, SOFTWARE DISFORME: A secundarização da interface gráfica como maturidade do software na tecnocultura”, de Carlos Viegas foi uma das dissertações defendidas em 2019 e fará parte de nossa retrospectiva. Carlos Viegas se tornou mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, é integrante do grupo de pesquisa TCAv e teve a sua banca de defesa no dia 22 de março de 2019, às 14h, no Campus de São Leopoldo. O trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. João Damasceno Martins Lacerda. A banca de defesa da dissertação foi composta pelos seguintes professores: Prof. Dr. Leonardo Gabriel de Marchi (UFRJ) e Prof. Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes (UNISINOS) estes, por sua vez, deram as suas contribuições, avaliando e validando o grau de mestre em Ciências da Comunicação ao aluno. É possível conhecer um pouco mais do percurso e da pesquisa de Carlos Viegas na entrevista a seguir:

TCAV: Quais foram as motivações de fazer o mestrado na UNISINOS e, particularmente na linha de Mídias e processos audiovisuais?

Carlos Viegas: Na fase final da graduação, fiz um breve movimento de tentar entender as linhas disponíveis da UNISINOS. Eu estava terminando o curso de publicidade e tinha vontade de continuar na área da comunicação, e ao mesmo tempo eu não queria sair da instituição onde eu já estudava, pois tinha uma relação de longa data com a casa e sabia que isso poderia me ajudar em um processo de mestrado, que geralmente já não é muito fácil. A linha 01 (mídias e processos audiovisuais) pareceu ter metodologias mais desafiadoras e pareceu olhar para os objetos de uma forma muito parecida com a que eu normalmente olhava, então a aproximação foi natural. Minha orientadora do TCC, a Magda Ruschel, estava concluindo o doutorado pela mesma linha, então ela costumava me passar os livros que os pesquisadores da linha publicavam. Então tudo foi andando nesse sentido. Eu ainda nem sabia direito o que queria pesquisar quando entrei no mestrado, mas já tinha um crush epistemológico com a linha 01, alimentado pelo que fui estudando sobre a coisa à distância antes de fazer parte dela.

TCAV: O que motivou a sua escolha do tema?

Carlos Viegas: Minha escolha inicial de tema passava ao largo do que acabei pesquisando. Eu me perdi diversas vezes em vários softwares atrás de conteúdos diversos em seu interior antes de entender que era a própria estrutura do software que realmente me interessava. Eu já tinha uma trajetória como designer digital, e tratava a pesquisa acadêmica como uma oportunidade para ler e entender coisas mais distantes do meu cotidiano de trabalho. O andamento da história, no entanto, fez com que esses eixos que eu quis separar em um primeiro momento se juntassem drasticamente. Muitas vezes desenhando softwares que eu já havia pesquisado por referências, feito moodboards de aplicativos que estavam no mercado para entender quais recursos eu poderia utilizar nas minhas telas.

Em contato com alguns autores ao longo do mestrado, problematizando o agir midiático, entendendo o softwarecomo mídia e explorando o conceito de imediação para além do que ele geralmente entrega, eu percebi que, quando eu fazia essas pesquisas de referências, eu, na verdade, estava tentando entender não só o mercado, mas o imaginário do usuário, e isso me servia na tentativa de fazer um software amigável, o que era sinônimo de fazer um software neutro, que intermediasse uma experiência interferindo nela sem parecer interferir. Foi a partir desse momento que comecei a enxergar que alguns softwares se tornam invisíveis diante do hábito do consumidor e ganham poderes com isso. Foi um caminho natural.

Perceber que a invisibilidade do software traz força ao software foi outra conclusão importante. Notar que muitossoftwaresse desfaziam paulatinamente da sua representação visual me ajudou a montar um corpus de pesquisa potente, e depois eu só precisei intervir nesse corpus para entender o que essa invisibilidade significa para o nosso tempo. Enfim, falando assim parece que foi fácil, mas eu quase enfartei em vários momentos.

TCAV: No percurso dos dois anos do mestrado, quais foram as dificuldades com que se deparou?

Carlos Viegas: Os cursos de comunicação não possuem uma tradição teórica muito forte, e ir à um mestrado sem ter tido uma vivência anterior de pesquisa, como foi o meu caso, acaba sendo bastante difícil quando o seu curso de graduação não lhe deu uma base forte de autores para estruturar algum pensamento de maneira, mais ou menos, sistematizada. Leva um tempo até você entender, já no mestrado, qual é a lógica daquele novo ambiente, que tipo de resultado as pessoas esperam de você e qual a retórica das relações que se reforçam por ali. Você precisa aprender isso na prática, porque a coisa não tem um manual. Em paralelo a isso, eu precisei ler pela primeira vez uma série de autores que não faziam parte da minha bagagem de vida, precisei dar conta de disciplinas específicas e precisei levantar do zero uma pesquisa sem nunca ter feito isso antes no formato que estava sendo exigido. Isso tudo em dois anos. É um desafio enorme. No final vale muito a pena, mas deve ter sido a coisa mais desgastante que eu já fiz em termos educacionais na vida, porque, por mais que os professores estejam ali por perto para ajudar com conhecimento e experiência, e por mais que o orientador não vá negar ajuda se você surtar, você ainda assim sente todo dia que aquilo é uma responsabilidade individual que precisa dar um fruto interessante de algum jeito, nem que seja na marra. Esse processo exige bastante das pessoas e é preciso estar bem apaixonado pelo que está acontecendo para continuar tomando decisões corretas em cada esquina.

TCAV: Defendido e terminado o mestrado, quais são os seus projetos futuros?

Carlos Viegas: Eu parei muitos outros projetos para fazer o mestrado. E isso não é uma reclamação, porque eu sabia que seria assim desde o início e eu fui em frente porque era uma coisa que eu queria muito. Só que eu sou uma pessoa que faz muitas coisas, então agora preciso dar uma olhada nos cenários, ver como todo mundo ficou enquanto eu me afundei nos livros e retomar o meu lugar em algumas posições que precisam bastante de mim. Tenho ideia de fazer o doutorado em breve, mas vou precisar resolver algumas coisas antes. Muitas brechas de uma possível tese se abriram pra mim durante a pesquisa que concluí, e os próprios membros da banca de avaliação deram outras mil ideias enquanto comentavam os resultados da dissertação. Todo dia trabalhando, agora, eu retomo mentalmente algumas leituras e eu sinto que definitivamente nunca mais vou deixar de ter esse olhar curioso e desconfiado sobre coisas que antes eu via como normais. Não há como parar e colocar todas essas ideias novas numa gaveta. Mas também não vou sair daqui correndo para uma nova matrícula. Eu valorizo muito o tempo de cada coisa e vou querer ter tudo organizado antes de encarar um desafio como esse outra vez.

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