Performatividade de Gênero: Sexualidade, corporalidade e interseccionalidade em Pink or Blue

Na quarta-feira, 20 de abril de 2022, às 16h, ocorreu a banca de defesa da dissertação de mestrado da discente Andressa Machado, intitulada “Performatividade de Gênero: sexualidade, corporalidade e interseccionalidade em Pink or Blule”. A banca ocorreu no formato online e foi composta pelos professores Dra. Gabriela Machado Ramos de Almeida (ESPM), Dr. Gustavo Daudt Fischer (UNISINOS), Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes (Orientador).


Sobre a Pesquisa

A pesquisa de Andressa traz como objeto empírico o curta-metragem Pink or Blue (2017), o qual é resultado da parceria entre o diretor Jake Dypka e a poetisa Holli McNish. O curta apresenta como sua principal proposta o debate acerca dos binarismos de gênero e o que é visto como feminino ou masculino na sociedade, fazendo uso da tecnologia 3D, de modo que o espectador pudesse alternar as visão entre feminino e masculino.

Partindo dessa produção audiovisual, o problema de pesquisa se dá da seguinte forma: “de que forma os construtos comunicacionais das performatividades de gênero se atualizam nas imagens técnicas e metafóricas de Pink or Blue?. Assim, como objetivo central de sua dissertação busca-se compreender a construção das performatividades de gênero presentes no curta metragem Pink or Blue (2017). Além disso, se propõe uma revisão teórica dentro do escopo dos estudos de gênero referentes às performatividades de gênero; entender de que modo o uso de linguagem metafórica em Pink or Blue produz imagens dialéticas e políticas; e perceber as relações interseccionais e performativas apresentadas em Pink or Blue.

A pesquisa se divide em dois capítulos teóricos: em “Performatividade, binarismos e dominação masculina”, Andressa se aproxima dos debates de autores como por exemplo Pierre Bourdieu e Judith Butler. Para Butler, o gênero é um ato performativo, ou seja, é uma identidade instável que se dá através da repetição. Em sua exposição, Andressa aponta para o fato de que a partir do momento em que o indivíduo nasce, ele passa a ser socializado, como por exemplo uma menina, através da repetição de características, modos de falar, modo de se vestir. Ou seja, esse indivíduo vai sendo socializado de modo que performe essa feminilidade normativa.

Acerca da ideia de binarismos, o curta-metragem e o poema trabalhado nele vão explorar a própria dicotomia entre esses dois mundos que coexistem, no caso apresentados como feminino e masculino, que se chocam com estruturas patriarcais. Aproximando das questões de poder e dominação, Pierre Bourdieu aponta em seu trabalho que as próprias vestimentas são utilizadas como forma de restringir os movimentos das mulheres, bem como certas atividades as quais elas poderiam realizar. Ainda hoje é algo que reverbera em nossa sociedade, do mesmo modo a própria linguagem, a qual possui um imperador masculino. Por conta disso, temos hoje muitos debates acerca de uma linguagem neutra pelo fato de que muitas pessoas não se sentirem representadas por tal normativa linguística.

A interseccionalidade é um aporte teórico-metodológico que vai trabalhar com 3 eixos (gênero, raça e classe). Na pesquisa, Andressa trabalha dentro do contexto do cinema trazendo alguns exemplos como algumas obras que trazem mulheres brancas representadas como doces e inocentes, e também mulheres racializadas que geralmente tem o aspecto de serem nervosas ou lascivas. Essas diferentes formas de representação vão sendo expostas muito por parte do racismo que já está enraizado estruturalmente em nossa sociedade.

No segundo capítulo teórico, “As imagens de Pink or Blue”, são explorados mais os conceitos de imagens, do audiovisual em si, realizando aproximações dos debates de autores como por exemplo Walter Benjamin, Georges Didi-Huberman, Lev Manovich e Jacques Ranciére. Andressa parte da ideia da montagem espacial (Lev Manovich) para pensar a imagem dividida do curta-metragem. A princípio, o curta não havia sido pensado para ter a tela dividida. Ao ser transposto do 3D para o 2D dentro das plataformas de vídeo (YouTube e Vimeo), ele adquire a característica de montagem espacial. A partir da leitura e percepção da pesquisadora, a forma como o corpo se configurou nas plataformas de vídeo/streaming, reforça ainda mais a dicotomia desses mundos coexistentes, mas ainda atravessados pelo racismo, violência de gênero e outras formas de opressão.

Andressa também traz o conceito de imagens dialéticas (Benjamin/Didi-Huberman), a ideia de uma imagem suspensa que permite, a cada novo olhar, novas leituras. Somando a este escopo teórico, ainda em Walter Benjamin e convocando Jacques Rancière, é importante a aproximação do aspecto político das imagens. Rancière aborda a questão de que obras de arte possuem um caráter político tanto para o lado de dominação quanto para o lado em forma de resistência. Aliado a isso, começou-se a pensar o conceito de estetização da política e politização da arte. Para Benjamin, na estetização da política, a arte se converte não apenas em mercadoria, mas também se revela como instrumento de dominação e controle, onde para o autor é uma forma diretamente vinculada e produzida pelo fascismo. Já a politização da arte, por outro lado, pressupõe que a obra de arte pode ter um caráter crítico, engajado e revolucionário, sendo uma resposta direta à estetização da política.


Arranjo Metodológico

Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa são organizados em dois momentos. Na primeira etapa são desenvolvidos os processos de flânerie, dissecação e coleções. A flânerie foi o primeiro contato, o primeiro olhar para o curta-metragem, buscando tornar familiar o que é estrangeiro e o que é estrangeiro familiar. A dissecação se deu a partir da extração dos frames do curta-metragem: desconstruir e remontar essas imagens, retirando do fluxo e parando em uma imagem para dissecá-la e, posteriormente, devolvê-la ao fluxo. É a partir da dissecação que dá-se a ver inúmeros elementos constitutivos que não vemos no fluxo.

A partir da seleção de imagens, portanto, se dão as coleções, sendo agrupadas e divididas em duas, tendo como critério imagens que possuem semelhanças entre si. São elas: “coleções de construtos normativos”, que busca trazer imagens que reforcem a normatividade; e “coleções de construtos dissidentes”, que traz imagens que “hackeiam o cistema” (aqui, Andressa faz uso do ‘c’ em função do “cisgênero”). Nesta segunda coleção, temos imagens que causam certa estranheza no espectador, por serem imagens não binárias, “dificultando encaixar” se o indivíduo é homem ou mulher etc. Tais movimentos levaram a segunda etapa, a qual se dá pelas três constelações: “Sexualidade Feminina: a siririca e o fetichismo”, “Corpo, poder e sacralidade” e “Entrelaçamentos interseccionais”.

Vale destacar que no movimento de dissecação, foi realizado um exercício laboratorial: a partir das imagens do curta, Andressa trabalhou com um programa de edição retirando alguns frames em que as imagens estivessem com a mesma luz, mesma posição, onde a construção da cena permitisse uma sobreposição mais adequada (que combinasse melhor). Assim, foi realizada uma sobreposição e posteriormente mexido na opacidade dessas imagens. Como resultado, novamente temos imagens que recorrem a uma dissidência, que traz a questão do prazer, o “hackeamento do cistema” e que indica o abandono paterno, por exemplo.


A Banca

Um dos pontos que resultam e que a pesquisa evidencia é o de que as performatividades de gênero apresentadas em Pink or Blue (2017) colocam em pauta, através das imagens (utilizando metáforas e uma estética publicitária), indivíduos que fogem da dicotomia feminino e masculino, permitindo que o público tenha contato com figuras não-binárias, como aponta Andressa. A pesquisa levanta muitas questões para serem pensadas futuramente em seus possíveis desdobramentos, as quais é preciso ter coragem de pensá-las e discuti-las sem medo de “cancelamento”.

Para a banca, dentre os diversos apontamentos e provocações visando os próximos passos da pesquisa, a dissertação apresenta uma escrita clara, uma boa apresentação do objeto empírico e um caráter memorial que justifica o envolvimento com o tema. Houve destaque para o desenho metodológico da dissertação, apresentando uma metodologia mais experimental com a sobreposição das imagens, apontado pela Porfª. Drª. Gabriela M. R. de Almeida. Além disso, a pesquisa teve um reconhecimento de sua importância para o TCAv, na medida em que ele ajuda a abrir um espaço para que o grupo procure descobrir formas de endereçar questões que até então não estavam tão explicitamente colocadas, como destacado pelo Prof. Dr. Gustavo D. Fischer. São possibilidades que se abrem ao grupo para começar a se dedicar em problematizar outros devires da cultura em cotejamento com o campo das audiovisualidades.


Texto: Camila de Ávila