Performances digitais ao vivo e atualização no fazer videoclipes musicais

Prestes a completar dois anos, a pandemia do Covid-19 ainda parece distante de ser amplamente controlada. Mesmo com a vacinação acontecendo em todo o mundo, as variantes do coronavírus ainda impossibilitam às pessoas retomarem atividades que causam grandes aglomerações, como é o caso de shows e concertos. A partir disso, muitos artistas se viram diante da necessidade de se reinventar. 

Logo no início da pandemia, ainda em 2020, houve um aumento em transmissões ao vivo de muitos músicos os quais, em sua maioria, tinham um formato de show acústico.

Frames das apresentações ao vivo das cantoras Ludmilla (à esquerda) e Duda Beat (à direita). Ambas foram realizadas em meados de 2020.

Entretanto, tem-se notado que a produção de algumas dessas performances ao vivo adquiriram características técnicas e estéticas que já as colocam próximas da produção de videoclipes gravados. Como exemplo, podemos citar as performances de Miley Cyrus (com a música Midnight Sky) e da dupla Chloe X Halle (com a música Ungodly Hour) durante a premiação do Video Music Awards em agosto de 2020. A cantora Doja Cat também lançou uma série de performances ao vivo em parceria com o provedor de videoclipes Vevo. Recentemente, Pabllo Vittar fez uma performance ao vivo da música Zap Zum, na plataforma YouTube, para divulgar seu novo álbum, Batidão Tropical, lançado em junho deste ano. A partir disso, é possível observar essas performances digitais se aproximam e, até mesmo, atualizam a forma de fazer videoclipe.

Frames das performances, em ordem, Chloe x Halle, Miley Cyrus, Pabllo Vittar e Doja Cat.

De acordo com Lima e Oliva (2018 apud SOARES, 2013, p. 92), inicialmente o videoclipe surgiu como uma forma de alavancar o lançamento e vendas da música e imagem do artista. Todavia, com a internet e novas perspectivas tecnológicas, o fazer abriu-se para novas possibilidades. 

Também podemos observar, utilizando a performance digital de Pabllo Vittar como exemplo e partindo da leitura do artigo Por um audiovisual gráfico de Arlindo Machado (2016), como essa performance se aproxima do que o autor chama de collages eletrônicas. Ainda que esteja citando o trabalho de Jean-Christophe Averty, diretor televisivo francês que atuou entre 1957 e 1986 e o qual, segundo Machado (2016), pode ser considerado o inventor de uma televisão gráfica (p. 249). Inclusive, Averty foi o responsável por trazer para a televisão performances musicais as quais hoje chamamos de videoclipe (MACHADO, 2016, p. 250).

A principal técnica usada por Averty é a incrustação: personagens vivos são filmados sobre um fundo azul e projetados sobre desenhos animados. Ou seja, há uma convivência na mesma tela de cenas filmadas e cenas desenhadas em forma de grafismos. Trata-se, então, de uma forma essencial de collage eletrônica, em que o corpo humano é integrado a um contexto gráfico. Essa collage eletrônica impõe a negação das dimensões próprias do corpo humano, como também de todo objeto tridimensional. Os atores são transportados para um espaço bidimensional e se tornam seres achatados. Para a câmera, tudo o que é azul funcionará como uma zona transparente, tornando-se um “buraco” que será preenchido por outra imagem. “Mas, e isso é uma particularidade do efeito eletrônico, jamais a integridade da imagem incrustrada será destruída; ela poderá ser restituída a todo instante em sua totalidade” (DUGUET, 1991: 65). Isso quer dizer que a incrustação é virtual: um elemento pode penetrar em outro sem deixar traço, mas pode também reaparecer novamente. Ao contrário do que acontece em outros meios, a incrustação em televisão funciona sem deterioração da imagem. (MACHADO, 2016, p. 250-1, grifos do autor)
Frame da performance digital de Pabllo Vittar com música Zap Zum.

 Ainda que Machado (2016) faça uma leitura das collages eletrônicas dentro do espaço televisivo, aqui podemos nos reapropriar do que o autor discute e aplicar dentro do universo da internet. A exemplo da performance de Pabllo Vittar, podemos ver como o uso de artifícios como chroma key e telões em conjunto com a sofisticação de equipamentos e softwares de vídeo permitem que apresentações ao vivo se equiparem estética e tecnicamente com videoclipes gravados e editados previamente.


REFERÊNCIAS

LIMA, Silvia Cristina França; OLIVA, Rodrigo. A estética da hiperestilização em videoclipes narrativos: um estudo sobre a videografia da artista melanie martinez. Anais Intercom, Cascavel, v. -, n. -, p. 1-14, maio 2018.

MACHADO, Arlindo. Por um audiovisual gráfico. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, [S. L.], v. 4, n. 1, p. 240-256, jul. 2016. Semestral. REBECA – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. http://dx.doi.org/10.22475/rebeca.v4n1.168. Disponível em: https://rebeca.socine.org.br/1/article/view/168. Acesso em: 11 set. 2021.

PABLLO Vittar – Zap Zum (Official Live Performance). Direção de Ernna Cost. Intérpretes: Pabllo Vittar. Música: Zap Zum. [S.I.]: Brabo Music, 2021. (3 min.), son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Fepa9dKg7N4. Acesso em: 11 set. 2021.

SOARES, T. A estética do videoclipe​. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013.

Texto: Andressa Machado

Revisão: Camila de Ávila

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