Ethicidades televisivas

Título do trabalho: Ethicidades televisivas – Sentidos identitários na TV: moldurações homológicas e tensionamentos

Nível: tese de doutorado

Autora: Suzana Kilpp

Orientador: Dr. Pedro Gilberto Gomes

Ano de defesa: 2002

Dra. Suzana Kilpp é professora e pesquisadora da linha de Mídias e Processos Audiovisuais do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e membra-fundadora do grupo de pesquisa TCAv. Sua tese de doutoramento, Ethicidades televisivas – Sentidos identitários na TV: moldurações homológicas e tensionamentos, a primeira tese defendida no PPGCC da Unisinos, em 2002, enfrenta o desafio de compreender a natureza da televisão. No prefácio do livro, publicado pela Editora Unisinos após a defesa, o orientador da pesquisa, Dr. Pedro Gilberto Gomes, abre o texto com um parágrafo com três palavras: “Uma metodologia original”. Aquela que ficaria conhecida como a “metodologia das molduras” seria fundamental para a concepção de inúmeras pesquisas dentro e fora de nossa linha de pesquisa.

Na contracorrente da ideologização do debate acerca da televisão, Kilpp procurou entender as gramáticas televisivas, seus fundamentos e suas atuações éticas e estéticas. Embora a pesquisa privilegie uma abordagem ontológica do meio, não deixa de contextualizar a experiência, pois o meio estudado está inserido em uma tecnocultura específica: a televisão brasileira. “Gostaria de oferecer algumas respostas a algumas questões que estão envolvidas nas moldurações com as quais a televisão enuncia certos sentidos identitários às durações, personas, objetos, fatos e acontecimentos que dá a ver – as ethicidades televisivas, ou as subjetividades virtuais que habitam os mundos propriamente televisivos”.

Kilpp articulou três eixos para estudar a televisão.

Ethicidades: subjetividades virtuais.

Molduras: quadros de significação, procedimentos de montagem e agenciamento dos sentidos.

Imaginários: conjunto de marcas de enunciação das culturas visíveis.

O primeiro movimento tecnometodológico da pesquisa foi sentar e assistir televisão. “Às vezes como flâneur, às vezes como basbaque, assisti a diferentes tempos de TV aberta desde novembro de 1998”. O importante disso foi despir-se dos hábitos, preceitos e orientações costumeiros e se perder nos mundos televisivos. Kilpp passou a frequentar novos horários, novos programas e novos canais para ampliar a sua bagagem de conhecimento sobre o objeto estudado.

Após esse processo errático, Kilpp selecionou dez edições do programa Muvuca (1998-2000) da TV Globo, apresentado por Regina Casé, e o período de programação televisiva entre 20h e 23h de um mesmo sábado de três canais diferentes. A pesquisadora editou as três horas de programação dos três canais em um mesmo “panorama” em uma fita de VHS. A partir desse recorte, ela traçou os limites e as diferenças das unidades televisivas, o que a aproximou do conceito de fluxo televisivo. Outro movimento realizado no sentido de identificação da natureza televisiva foi a comparação entre as publicações das grades de programação dos canais nos jornais impressos Zero Hora e Correio do Povo e o modo como esse planejamento performava “ao vivo” na TV.

No percurso desse trabalho de campo, os dados empíricos eram sempre confrontados com as leituras teóricas e outras bases referenciais que orientavam e organizavam um fluxo descritivo. “Nesse movimento fiz alguns contratos de referência teórica e procedi à escritura de textos parciais, nos quais fui indiciando, num certo território (de imagens), as molduras e moldurações que foram aparecendo: era mesmo uma constelação que, a partir de um certo ofuscamento do já conhecido, se deu a ver como imagens reluzentes dispostas assimetricamente numa abóboda imaginária”. Aqui dá para notar a importância de Walter Benjamin para o desenho cartográfico na pesquisa, orientado especialmente pelo princípio de duração de Henri Bergson. As informações de pesquisa eram mapeadas no sentido de encontrar entre elas afinidades aglutinadoras. Unidades se transformavam em conjuntos, e caso se atualizassem constantemente em objetos diferentes (como programas, quadros e canais), denotavam algo que dura no fluxo televisivo. Está aí a importância da memória, um conceito-chave.

Uma das principais preocupações dessa “nova metodologia” não era ser original necessariamente, mas nascer junto com o descobrimento, ou melhor, com a invenção do objeto empírico, o televisivo. As montagens televisivas, circundadas nas molduras, se transformaram no próprio modo de construção textual da tese. Trata-se de uma aproximação entre o conteúdo de pesquisa e a forma do texto, que se atualizou no próprio fluxo literário dividido em “quase-capítulos”, com inúmeras descontinuidades, a partir de um sentido/fluxo específico. Várias outras marcas televisivas são utilizadas na formação do texto de pesquisa, partindo também da noção de rizoma.

Outro procedimento metodológico buscou a mobilização do leitor para uma espécie de análise em conjunto de um tempo de três minutos contínuos do Muvuca. Para garantir essa relação, a autora anexou o vídeo com esse trecho do programa à tese e ao livro (em CD-R) – disponível agora no Youtube (abaixo).

A tese completa, com descrições detalhadas dos processos tecnometodológicos, teóricos, conceituais, as análises e as conclusões de pesquisa, pode ser conferida aqui.

Outro documento que pode ajudar na compreensão da metodologia das molduras, e que foi utilizado como referência na construção desta breve introdução, é o texto Isso não é um espelho, capítulo introdutório do livro A traição das imagens: espelhos, câmeras e imagens especulares em reality shows.

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