Construtos de games na pandemia

O que você tem feito para amenizar a tensão proporcionada pelo isolamento social em função da pandemia que estamos vivendo a nível mundo? Sem dúvidas são tempos estranhos sendo compartilhados. Uma das coisas que vem sendo observadas são os recursos audiovisuais tendo um papel importante, um meio sendo muito explorado das mais diversas formas. Produções de filmes caseiros, o uso massivo das lives, a própria televisão vivendo de arquivo, telejornais em formato home office, eventos sendo adequados para um ambiente virtual por videoconferência, entre outros. Dentre esses vastos usos do audiovisual na pandemia, buscamos aqui pensar nos efeitos da pandemia no audiovisual voltando o nosso olhar para os jogos digitais.

Foto: Jaroslav Nymburský.

Ainda em março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a prescrever os videogames com forma de tratamento para a nossa existência contínua em nossas casas, em decorrência da pandemia do coronavírus. Essa iniciativa chama a atenção justamente pelo fato de que anteriormente, os jogos eletrônicos eram vistos como vício, levando a distúrbios mentais, fala designada pela própria OMS. Felizmente, sempre estamos aprendendo e reaprendendo na vida, e mudar de ideias (sendo elas positivas e construtivas) são sempre muito bem-vindas. Houve mobilização por parte de desenvolvedores de jogos, como por exemplo a Activision Blizzard, onde foi lançada outra iniciativa chamada #PlayApartTogether. A intenção é incentivar as pessoas não apenas para se divertirem, mas praticar o distanciamento físico – ações lúdicas que auxiliam para achatar a curva do avanço da pandemia e a salvar vidas.

Fonte: Alina Polichuk (perfil do TikTok).

Mas e quando o jogar em tempo de quarentena passa a ser emulado na rotina, presente em vídeos de curta duração no TikTok, ao brincar com a ideia de você escolher o seu personagem para encarar a quarentena? A partir de uma publicação chamada “Creating your quarantine character” criado pela cineasta russa Alina Polichuk, com a tag #ChooseYourCharacter (que se tem registro desse tipo de produção iniciado em 2018), muitos usuários têm entrado na brincadeira (os chamados “challenge“) e produzido pequenos vídeos na plataforma TikTok. Nessas produções audiovisuais, o usuário emula/monta o seu personagem para enfrentar a rotina em meio a pandemia, apresentando diferentes atributos e estilos de personagens, trazendo sons e elementos de um menu de seleção, imitando a mecânica de personalização dos videogames. Dentre as opções, você pode escolher ser aquele que não tira o roupão, aquele maníaco por limpeza, aquele que não para de comer, escolher estar em boa forma, aquele que não toma banho há semanas, entre outras possibilidades que a imaginação deixar levar.

Fonte: Alina Polichuk (perfil do TikTok).

Há uma experiência dos jogos relacionadas às formas audiovisuais. Só que, claro, essas lógicas do vídeo podem vir a pautar muitas coisas em meio aos jogos, mas não os define – ele ainda possui características próprias. Se olharmos para o construto do jogo presente nesses desafios do TikTok, partimos de uma plataforma que se configura pela produção e montagem de vídeos que se vale de elementos visuais e sonoros presentes em jogos digitais. Em função de ser um espaço próprio para experimentação audiovisual, trazendo um enquadramento de câmera entre a escolha de personagens (mesmo que de uma origem dos jogos), os vídeos #ChooseYourCharacter nos fazem refletir sobre o quanto a construção narrativa é imagética, lúdica e de uma ordem de tributo. Johan Huizinga já pensava o jogo para além do jogo enquanto objeto, uma atitude lúdica presente em nossa cultura. Muitas atividades que hoje realizamos em nosso cotidiano, são atualizações de qualidades que são próprias do jogar – os jogos instrumentalizam performances. Claro que não podemos dizer que todos os sistemas são jogos propriamente, mas podemos dizer que são atravessados por elementos do jogo/jogar, como o caso desses vídeos que estamos observando.

Fonte: Toni Tones (perfil do TikTok).

Jogos são objetos culturais e, também, produtores de uma cultura. Sem dúvida, os videogames são mais do que uma boa diversão, mas essencialmente uma maneira de se conectar socialmente com amigos e familiares, onde o mesmo vemos refletido nessas produções audiovisuais que contém o devir do jogo e do brincar presentes em si. Esse “jogar” fora do espaço do jogo, também pode ser entendido como uma forma de lidar de maneira leve nesse cenário que estamos vivendo e compartilhando de nossas casas. É extrapolar o ambiente e as potências dos jogos para o cotidiano – o mundo no jogo e o jogo no mundo. Não é só a imagem do vídeo, do pixel que se atualizam nessa imagem técnica (Vilém Flusser). A imagem do jogar não some ao longo do tempo, elas duram ao longo do tempo, se atualizam em construtos em devir nos mais diferentes espaços e formatos – audiovisuais ou não. Realizar essa breve reflexão acerca de construtos de jogos digitais na pandemia nos aproxima e nos situa em meio a uma tecnocultura: pensar a técnica e a cultura em um estado de relação, contágio, coalescência. Temos o devir jogo/jogar atualizado enquanto audiovisualidade nas produções de vídeos de TikTok.

Texto: Camila de Ávila.

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