Audiovisualidades na Pandemia: O Ritmo de Gil e o álbum perdido

O artista brasileiro Gilberto Gil ganhou em junho, em comemoração ao seu aniversário de 80 anos, uma exposição digital no Google Arts & Culture, a maior plataforma de arte digital do mundo. “O Ritmo de Gil”, projeto liderado pela pesquisadora musical Chris Fuscaldo, conta com um extenso acervo, dividido em 140 temas sobre sua vida e sua obra, incluindo 40 mil imagens, cerca de 700 vídeos e áudios, e um álbum de 1982 que nunca havia sido lançado. É a primeira vez que um artista brasileiro é homenageado na plataforma e também é a maior exposição nela em homenagem a um artista vivo.

O Google Arts & Culture, o antigo Google Art Project, surgiu em 2011 e é um site mantido pelo Google em colaboração com museus de diversos países, em que se pode visitá-los de maneira online e gratuita. Com a ajuda da tecnologia utilizada pelo Street View, é possível apreciar determinadas obras em alta resolução. Durante a pandemia de Covid-19, muitos museus buscaram como alternativa disponibilizar suas exposições online, tornando-os mais acessíveis do que nunca. André Parente explica, em O virtual e o hipertextual (1999), que existem algumas concepções do que seja o virtual. No caso da popularização dos museus virtuais durante a pandemia, podemos interpretar o virtual nesse contexto como “uma função da imaginação criadora, fruto de agenciamentos os mais variados entre a arte, a tecnologia e a ciência, capazes de criar novas condições de modelagem do sujeito e do mundo” (PARENTE, 199. p. 14), ideia esta presente nos textos de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Em O banco de dados (2015), Lev Manovich disserta sobre o banco de dados, uma mídia contemporânea que apresenta coleções de itens em que cada um é organizado de forma a ter a mesma importância, tornando-o constituinte de uma forma cultural própria (MANOVICH, 2015). “O Ritmo de Gil”, assim como diversos museus virtuais, apresenta uma narrativa interativa – também chamada de hipernarrativa -, em que se pode traçar múltiplas trajetórias dentro de seu acervo, construindo, assim, uma interação entre usuário e computador, típica das novas mídias, que “tornam explícito o processo psicológico envolvido na comunicação cultural” (2015, p. 17):

Captura de tela produzida pela autora.
Captura de tela produzida pela autora.
Captura de tela produzida pela autora.

Um dos destaques da exposição é o resgate de um álbum do artista gravado em 1982 que nunca havia sido lançado. Gravado em Nova York, o disco, que poderia ter se chamado Jump for Joy, tinha como foco o mercado estadunidense, misturando música pop americana com ritmos brasileiros e caribenhos e com praticamente todas as faixas cantadas em inglês. O motivo pelo qual o disco não saiu na época foi a insatisfação do músico com a produção. Tempos depois, Gil chegou a demonstrar interesse novamente pelo material, mas a gravação já havia sido perdida. Porém, após visitas às salas da nova e antiga sede da GeGe Produções (que administra a obra de Gilberto Gil) e com o inventário dos arquivos realizado para o Google Arts & Culture, o disco americano foi finalmente encontrado em duas fitas. As músicas receberam digitalização e uma edição básica.

Ou seja, o disco passou por um trabalho escavatório e arqueológico, em que as gravações encontradas, apesar de intactas para os padrões dos anos 1980, já estavam modificadas quarenta anos depois devido às evoluções tecnológicas e informacionais ocorridas nesse meio tempo. O álbum perdido, após encontrado, teve sua história e sua obra reescrita não só ao ser sonoramente atualizado para os dias de hoje, mas também ao ser armazenado em um banco de dados acessível e gratuito – diferente de uma fita cassete ou de um disco de vinil.

Dessa forma, “O Ritmo de Gil” preserva a memória de Gilberto Gil de maneira a atualizar-se constantemente – assim como suas obras, que são atemporais.

Texto: Ananda Zambi

Referências:

PARENTE, André. O virtual e o hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999. (p. 13-45)

MANOVICH, Lev. Banco de dados. Tradução de Camila Vieira. Revista ECO-Pós, v. 18, n. 1, p. 7-26, 2015. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4403037/mod_r esource/content/1/O%20banco%20de%20dados.pdf

Sites:

https://artsandculture.google.com/project/gilberto-gil

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/06/18/no-mes-em-que-completa-80-anos-gilberto-gil-e-homenageado-em-exposicao-digital.ghtml

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