Audiovisualidades na Pandemia: O aumento dos espectadores de K-dramas em tempos de pandemia

Dando continuidade à nossa série Audiovisualidades na Pandemia, hoje trazemos uma materialidade que se encontra cada vez mais disseminada para os mais diversos públicos. Os K-dramas (abreviatura advinda da expressão em inglês Korean dramas) são séries de televisão feitas na Coreia do Sul e fazem parte do Hallyu, também conhecido como a Onda Coreana, referente à popularização da cultura coreana ao redor do mundo.

Enquanto eu pensava em algum assunto para escrever para esta matéria, me peguei pensando em um fenômeno que aconteceu comigo e com várias pessoas dentro do meu círculo social durante esta pandemia. A cultura coreana sempre foi algo muito distante de mim, pelo qual eu não tinha nenhum interesse e que, curiosamente, a única vez em que tive contato com o fenômeno Hallyu foi lendo o projeto de mestrado de uma colega. Porém, em meio a pandemia e por recomendação (e, por que não dizer, insistência) de amigos e familiares, comecei a assistir Crash Landing on You (Pousando no Amor), série de comédia romântica que está disponível na Netflix. Fui surpreendida pelo fato de que não só gostei de assistir a série quanto me senti instigada a assistir outras séries do gênero. Constatei que isso havia acontecido com várias pessoas com as quais tenho contato, e que de fato, existem vários estudos e matérias sobre o aumento de espectadores novos do K-drama durante a pandemia.

Estas séries sul-coreanas são, como mencionado anteriormente, produzidas para a televisão, tanto aberta quanto por assinatura. Começaram a se popularizar fora da Coreia do Sul nos anos 90, através do sucesso alcançado pelas bandas coreanas, conhecidas como K-Pop (Korean Pop), dando início ao fenômeno conhecido como Hallyu. Essas obras, em sua maioria, possuem o formato de minissérie, de 16 a 24 episódios. Os dramas podem ir do melodrama à ação, da comédia romântica à fantasia, mas a ênfase no romance é quase pré-requisito. Narrativas que são recorrentes são os amores impossíveis entre ricos e pobres, destino, reencarnações, almas gêmeas, brigas por heranças, personagens que possuem passados traumáticos etc.

Pôster do K-Drama “Tudo bem não ser normal”, disponível na Netflix.

Desde seu início, a pandemia teve um impacto enorme no tempo em que nós passamos em frente às telas. Devido às medidas de quarentena impostas à população, a forma de lazer que as pessoas encontraram foi de assistir mais obras audiovisuais, o que gerou um efeito enorme nas plataformas de streaming, como a Netflix, a Amazon Prime e a Globo Play, que receberam cerca do dobro de inscritos durante esse período.  Segundo um estudo feito pela BBC, as pessoas passaram a assistir por dia 1h11min de conteúdo audiovisual em streaming após o início da pandemia, o que é o dobro de antes.

É sintomático da era tecnológica em que vivemos, que mesmo as pessoas tendo de passar muito tempo em frente às telas devido às suas obrigações de trabalho e estudo, elas encontrem conforto e busquem seu lazer diante destas mesmas telas, através do consumo de produtos audiovisuais veiculados nas plataformas de streaming.

Em muitos países ao redor do mundo, principalmente no Sudeste Asiático (Filipinas, Indonésia, Vietnã), foi observado um crescimento exponencial de audiência de K-dramas. Muitos fatores são influenciadores desse aumento de público: o Oscar de Melhor Filme ter sido do filme sul-coreano “Parasita” (2019), de Bong Joon-ho; a popularidade da banda de K-pop BTS; a Netflix ter fechado um contrato de três anos com uma produtora sul-coreana (Studio Dragon) e é claro, a pandemia, que obrigou a população a encontrar novas formas de escapismo durante o isolamento.

É possível associar esse acontecimento ao contexto da tecnocultura, que é definida como “geralmente referindo-se a fenômenos culturais em que tecnologias ou forças tecnológicas são um aspecto significante” (Lister, 2009). A partir disso, podemos afirmar que a crescente facilidade de acesso à essas obras, através de plataformas de streaming e do compartilhamento de informações relacionadas à essas obras em redes sociais, seria um claro exemplo de reprodutibilidade técnica (Benjamin). São movimentos tecnoculturais que expandem o “desconhecido” para pessoas que normalmente não teriam acesso ou simplesmente não teriam interesse nessa cultura.

Também podemos argumentar que o acompanhamento de vários K-dramas em sequência pode se tornar parte de um ritual criado como uma tentativa de manter a normalidade. Em uma matéria anterior dessa série, Lucas fala sobre como os humanos são seres ritualísticos, e necessitam criar novos rituais para então encontrarem o seu “novo normal” durante esse momento adverso que estamos passando. Então, passar o dia trabalhando em frente às telas e no fim do dia poder assistir a um K-drama que o fará esquecer de suas obrigações por um tempo e poder entrar nesse universo distinto do nosso atual acaba se tornando parte de um ritual.

Em uma matéria da Vice sobre o boom dos K-dramas na pandemia, o psicólogo clínico Dr. Prerna Kohli coloca: “Enquanto assistir comédias românticas e entretenimento “fofo” não é terapia prescrita para estresse, eu acredito que possa ser útil, pois remove temporariamente esta pessoa dos problemas da vida real, como os cortes no salário, dispensas e crise econômica e da saúde. Para escapar desta realidade, entretenimento “fofo” pode ser uma rota de escape. Risadas engatilham o lançamento de endorfina, os químicos do corpo que fazem com que nos sintamos bem. Endorfinas promovem um senso de bem estar e podem aliviar a dor temporariamente.”

Além disso, essas plataformas de streaming são abastecidas por dados, organizadas através de interfaces e algoritmos, o que vêm a ser outro fator influenciador para que os K-dramas se expandam ainda mais e se mantenham no círculo de interesse das pessoas. Por exemplo, no momento que você assiste um K-drama, os algoritmos da Netflix vão direcionar todo o conteúdo em sua página principal para esse gênero e para produções da Coreia do Sul.

Recomendados do Netflix da autora

O isolamento social e a pandemia fazem com que sintamos a necessidade de buscar novas alternativas de escape e de atualizar a forma com que consumimos audiovisual, já que estamos confinados a um mesmo espaço por tanto tempo. Felizmente, os K-dramas estão tendo êxito em ser essa fuga momentânea para muita gente.

Texto: Clara Moraes


REFERÊNCIAS:

FISCHER, G. D. Tecnocultura: aproximações conceituais e pistas para pensar as audiovisualidades. In: Kilpp, Suzana; Fischer, Gustavo Daudt. (Org.). Para entender as imagens: como ver o que nos olha? 1ed. Porto Alegre: Entremeios, 2013.

Links adicionais:

Korean dramas push cultural content exports beyond $10 billion

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