Antologias Audiovisualizadas na Série Ela Quer Tudo de Spike Lee na Netflix

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“Antologias Audiovisualizadas na Série Ela Quer Tudo de Spike Lee na Netflix” é a dissertação da pesquisadora e agora mestra Juliana Koetz, defendida no dia 15 de abril de 2021, às 17h30min, na modalidade online. Uma imagem que quer tudo. Juliana nos oferece a oportunidade de explorar e criar uma forma de analisar o objeto empírico para além da discussão temática, revelando a potência das audiovisualidades e lógicas tecnoculturais ali imbricadas, de ordem estética, técnica e, também, política.


Sobre a Pesquisa

Sua pesquisa teve como o intuito de compreender “como a série Ela Quer Tudo (2017-2019), de Spike Lee, na Netflix, atualiza as antologias audiovisualizadas”, ou seja, “uma audiovisualidade que reflete o caráter antológico presente na tecnocultura audiovisual contemporânea, a qual é marcada pela coexistência de múltiplas naturezas imagéticas e sonoras, e que frequentemente é carregada de uma política”. A série escolhida como objeto empírico é uma adaptação do filme de mesmo nome de 1986, de Spike Lee, o qual também apresenta o uso de múltiplas naturezas imagéticas em sua composição.

Tanto a técnica quanto a própria tecnocultura já são, por excelência, políticas. A política que Juliana traz é caracterizada por proporcionar avanço a técnica, ancorada em Walter Benjamin, onde esta se revela no “tensionamento de hierarquias, interrupções de espectações e de formas dadas como naturais ou padronizadas no audiovisual”. Os acionamentos teóricos realizados ao longo da pesquisa, visam dar conta da compreensão do devir antologia, este caracterizado pelo estabelecimento ou revisão de cânones (SERRANI, 208), e, também, refletir acerca das estratégias de audiovisualização deste formato e gênero na ambiência tecnocultural contemporânea.

Tabela produzida por Juliana Koetz.

Arranjo Metodológico

Uma característica bem marcante da pesquisa da Juliana é o seu teor laboratorial, desenvolvendo a partir do seu arranjo metodológico uma metodologia de análise crítica do audiovisual – podendo vir a ser utilizada para outras séries e/ou produtos audiovisuais. Partindo da flânerie benjaminiana para, assim, abrir o objeto empírico, foram desdiscretizadas e cartografadas molduras (KILPP, 2002) que produzem os sentidos de tais convergências tecnoestéticas que se apresentam na obra.

A artesania desenvolvida ao longo da pesquisa proporcionou a criação de um bando de dados com 1430 frames capturados para sua análise. Com isso, foram desenvolvidas seis pausas as quais foram construídas como ordenações transitórias, podendo ser rearranjadas e revelar outras potências. Esta proposição parte de Abreu (2011), o qual irá trazer a ideia de “pausa” como uma ferramenta de transitoriedade das ordens, onde as exibições são pausas no colecionar para exibir as potências de determinadas coleções – estas coleções sendo feitas por afinidades.

Tela produzida por Juliana Koetz.

Nesses movimentos, a pesquisa cria possibilidades para lermos a série por uma outra perspectiva. Os arquivos são organizados através das pausas, o qual poderia ser referido como memória – a memória como mídia, procurando no objeto empírico aquilo que nele dura. Na primeira pausa, intitulada “0 e 6 – Colisão e Continuidade na Banda Sonora”, o que se denomina 0 é em função da percepção da presença das capas de disco ao longo da série, as quais promovem um tensionamento na hierarquia entre imagem e som, onde o som tende a atuar mais como um pano de fundo, passando mais despercebido na expectação. Ainda sendo algo que Juliana já havia percebido ainda no início da pesquisa, antes mesmo de aprofundar na análise, isso permaneceu nesse segundo plano (o som como pano de fundo) até, então, serem realizados todos os movimentos de pausas e perceber que também era preciso fazer uma coleção: uma pausa voltada para o som.

A partir das capas de discos, são percebidas “Interrupções do Fluxo Audiovisual” (Pausa 1), as quais colocam a narrativa “em suspensão” para exibir e chamar a atenção para um aspecto que seria minoritário na série, se não houvesse interrupção. Isso permite perceber as diferenças das mídias que vão sendo evocadas na série (sensorial intermidial), onde se apresenta uma ideia de mobilidade (relacionada com o vídeo) e imobilidade (relacionada a fotografia, capas de disco, pôster de filme).

Na segunda pausa identificada por Juliana é a “Sample e Cultura da Citação” (Pausa 2), foram organizados e colecionados por afinidades as imagens que apontam para fora da série (samplearam algo externo para compor a série), evocando assim sentido, tempos e espaços. Esta pausa foi essencial para que fosse possível identificar o devir antologia audiovisualizada, citando tecnoculturas (artistas, técnicas, estéticas) onde é tensionada a cultura verbocêntrica (Chion, 2011).

Tela produzida por Juliana Koetz.

As demais pausas que compõe a análise são:

– Pausa 3: “Dispositivos e Imagem Intradiegéticos”: nesta pausa são exibidos os dispositivos e as imagens produzidas ou reproduzidas por eles, produzindo sentidos acerca dos contextos de usos, sobre as personagens e suas relações com eles/elas.

– Pausa 4: “O Filme na Série – dos Anos 1980 aos 2010”: aqui, são encontrados os contrastes de sentidos, tendências e potências que já existiam em 1986 com as atualizações que ocorreram nelas nos anos 2010. Conforme Juliana aponta, visualmente, é contrastado por tecnografias.

– Pausa 5: “Atenção (Des)necessária para o Processo de Produção”: na última pausa, é tensionado o esforço constante das imagens e sons de omitirem (esconderem) suas naturezas técnicas e protocolos da plataforma. Ou seja, como pontua Juliana em sua apresentação de defesa, “antologiza a formação e trabalho artísticos. Em síntese, há uma forte ação política da técnica, que a revela e ensina o espectador a seu respeito, alfabetiza-o”.


Pausas em devir no fluxo

São nestas pausas que Juliana se depara e passa a refletir a respeito das potências tecnoculturais presentes nesses arranjos de imagens, se direcionando então para a compreensão da imagem contemporânea como uma imagem que quer tudo – formas, técnicas, estéticas, mídias. No intuito de responder seu problema de pesquisa, “como as antologias audiovisualizadas se atualizam na série Ela Quer Tudo de Spike Lee na Netflix?”, a pesquisadora aponta para quatro eixos ou modos como essas antologias se atualizam:

Imageticamente: como a imagem que quer tudo, a imagem contemporânea, que se coloca como território para todas as imagens.

Sonoramente: como tensionadora de hierarquias e do verbocentrismo.

Politicamente: dando a ver as montagens, sobretudo as protocolares.

Tecnoculturalmente: retomando a ideia da tecnologia como fotografia do mundo e da cultura – dando a ver uma cultura programável e desprogramável. Fragmentária, diversa, modular, convergente, remixável.

Para a pesquisadora, a perspectiva tecnocultural possui uma contribuição em seu trabalho, também metodologicamente, ainda que este não tenha sido trabalhado como um conceito central do trabalho – ele foi atravessando a pesquisa o tempo inteiro. Além disso, conforme Juliana conclui, a sua pesquisa oferece à comunicação uma modesta contribuição, “partindo da série, obra e autor, para refletir sobre suas dinâmicas estéticas e políticas, sobretudo no território Netflix“.

Tela produzida por Juliana Koetz.

A banca

Como bem colocado pela banca, a dissertação de Juliana reflete toda uma potência que existe no trabalho audiovisual a partir da perspectiva tecnocultural, sendo esta bastante engajada em problematizar ética, estética e tecnicamente os objetos empíricos. O Prof. Dr. Gustavo D. Fischer (UNISINOS) reforça o teor laboratorial que o trabalho apresenta, apontando que “esse tipo de investigação ele realmente não me parece que se resolve subitamente – é muito mais do que isso: na verdade é uma artesania”.

Já a Profa. Dra. Priscila Arantes (PUC-SP) endossa acerca da escolha do objeto de estudo, onde para ela “a escolha do objeto de estudo por parte do aluno ele é uma questão super importante, porque o objeto de estudo muitas vezes ele vai possibilitar com que você comprove ou não as suas hipóteses e dê conta de processos de leitura ou não”. Neste ponto, a pesquisa de Juliana consegue criar por meio de seu procedimento metodológico de análise do audiovisual um outro modo de análise: um modo de olhar para o objeto escolhido de uma forma que vai além do texto e da questão temática – a discussão temática aparecendo aqui como resultado da desconstrução, um trabalho teórico-prático.


A pesquisa “Antologias Audiovisualizadas na Série Ela Quer Tudo de Spike Lee na Netflix“, de Juliana Koetz está integrada ao grupo de pesquisa TCAV (Audiovisualidades e Tecnocultura: comunicação, memória e design). Juliana realizou sua pesquisa por meio da bolsa PROEX da CAPES, sendo orientada pela Profa. Dra. Sonia Montaño e teve a banca composta pela Profa. Dra. Priscila Almeida Cunha Arantes (PUC-SP) e Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer (UNISINOS).

Texto: Camila de Ávila

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