A Tecnotropicalidade em Aquarius

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Na segunda-feira 29 de março de 2021, o pesquisador Julherme José Pires defendeu sua tese de doutorado “A TECNOTROPICALIDADE EM AQUARIUS“.A tese se articula a partir do exame da tecnotropicalidade, a partir de um devir éthico, tecnoestético e tecnocultural, que está presente e agindo sobre estas materialidades imagéticas desde a invasão imperialista do que hoje chamamos de Brasil. O olhar do pesquisador se concentra principalmente sobre o arquivo-filme Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2016), de onde exorciza o tecnotropical, olhando para o impacto do tempo nesta materialidade e, a partir disso, segue os rastros inscritos desde a literatura barroca.

Segundo a investigação, esta tecnotropicalidade é constituída de duas formas, uma interior e outra exterior. Na primeira, a intenção de construir uma identidade nacional. Já a segunda é a de comercializar estas ethicidades, conceito cunhado por Suzana Kilpp e central para a articulação da tese, internacionalmente. Conforme Julherme, esse atravessamento deriva em imagens de múltiplas características que são extraídas da memória do povo, juntamente com sua paisagem tropical. Estas intenções se dão a partir de uma tecnocultura que pode ser hegêmonica, como o esforço do governos ditatoriais militares (1964-1985) em interligar o país, mas que mesmo assim não se furta de construir uma crítica. Dessa forma, surge um campo de disputa tecnoestética, que reflete as profundas contradições de nossa sociedade, enquanto constrói “uma das mais vibrantes ethicidades brasileiras”.

Coleção de coleções do apartamento de Clara, Aquarius (2016)

Artesanias

O autor pensa a pesquisa a partir da fenomenologia bergsoniana, com amparo benjaminiano, realizando flâneries e constelando enquanto escava, mapeia, disseca e cria coleções. Dessa forma, a metodologia acaba por se constituir em uma artesania filosófica da comunicação, marcada pela não-linearidade, usando como principal estratégia de escrita a remontagem literária. É uma episteme arquivistica e tecnoestética, com um fazer arqueocartografico.

Segundo Julherme “É uma invenção baseada na intuição como método originário. Seguimo-la de forma radical ao ponto onde se forjou um novo conceito.”

Discos, fitas e CDs na estante da sala musical, Aquarius (2016)

A banca

A banca foi presidida pela Profa. Dra. Suzana Kilpp (Orientadora) e composta pela Profa. Dra. Carolin Overhoff Ferreira, da Unversidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que estuda a relação entre arte e política. Carolin teceu elogios a arqueologia da produção cultural brasileira, pontuando que algumas perspectivas decoloniais poderiam ser mais interessantes para a abordagem e sugerindo um maior diálogo com outras produções sobre o objeto. Já o Prof. Dr. Volmir Cardoso Pereira, da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), que pesquisa Literatura Comparada, em uma perspectiva da crítica cultural materialista, avalia a tese como não convencional, com uma grande densidade teórica e com um pensamento anti-cartesiana. Segundo o professor, a tese enfrenta com brilhantismo dois grandes desafios, primeiro, analisar um objeto fílmico sem uma abordagem teórica rígida, permitindo a escritura de um quadro próprio de conceitos que são exigidos pelas questões que vão surgindo intuitivamente, e, segundo, inscrever a subjetividade do pesquisador como um segundo objeto, fazendo com que a própria persona do pesquisador seja constelada junto com as imagens fílmicas, revelando indícios de biografemas. Destacou também como a análise possuía profundidade política e crítica, apontando a forma como o autor colocou o objeto em relação ao tempo e ao mundo ao seu redor.

O Brasil é um filme de terror, em todos os seus subgêneros, daqueles que de tão ruim a gente ri sofrendo.

Gustavo Fischer



Também compuseram a banca o Prof. Dr. Tiago Ricciardi Correa Lopes (UNISINOS), que pesquisa temas relacionados à tecnocultura digital, apontou a evolução do trabalho desde a qualificação. Thiago ressalta a forma como o autor foi construindo ao longo dos primeiros capítulos uma episteme memorial arquivística, que preserva o passado e que ao mesmo tempo constitui o presente. Já o Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer (UNISINOS), que pesquisa procedimentos metodológicos relacionados à arqueologia da mídia, falou sobre a característica de anarquivamento da tese, inclusive no próprio processo de avaliação, em especial o pensar os filmes como bibliografias e não filmografias, no sentido de serem reflexões de autores que Julherme convoca para teorizar com ele. Gustavo ainda apontou a importância de movimentos contestatórios, descritos pelo autor, dentro das culturas massivas. A banca ocorreu em formato remoto e pode ser assistida na íntegra aqui.

Texto: Leonardo de Mello

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