William Mayer voltou sua atenção para o maior repositório audiovisual, o Youtube, em parte por também ser realizador audiovisual. Graduado em Realização Audiovisual pela Unisinos e mestre em Comunicação, com orientação do professor Dr. Gustavo Fischer, é também roteirista, produtor e diretor de cinema e TV. O título da sua dissertação nos coloca uma pergunta: “Que audiovisual emerge dos bancos de dados?“, nos convidando para uma experiência de afecção para com a já corriqueira mídia. Para tentar responder a essa pergunta, percorre conceitos tais como memória, imagem-corpo, youtubidade. A entrevista concedida por email que se segue instiga e antecipa a fala de William Mayer na primeira noite da 12a Semana da Imagem.
Trabalhando com análise do Youtube, um arquivo em constante atualização, quais foram as dificuldades que tu encontrou na tua pesquisa?
Fale um pouco sobre a metodologia carto-cerebral: como tu chegou até ela, quais procedimentos implica.
Ao iniciarmos uma pesquisa, aquilo que nos perturba, o nosso problema é o que realmente nos move até o nosso objeto. De algum modo, poderíamos dizer que escolhemos nosso objeto, pois ele nos instiga, parece querer nos dizer algo que, talvez, antes de nos debruçarmos sobre ele, não seríamos capazes de explicar. Talvez possamos chamar essa perturbação, esse sentimento de inquietude, de intuição, segundo conceito de Bergson (2006). É isso mesmo, uma sensação, uma impressão de que nosso objeto de estudo tem mais a dizer do que é possível ver em sua superfície. Foi necessário criar estratégias que fossem provenientes da relação entre memória e Banco de Dados e perceber na ação do? site? os observáveis que se destacavam. Foi através das? tags? que tivemos a chance de iniciar a procura dos observáveis, realizando inferências entre essas palavras-chave e o funcionamento do pensamento por associação do cérebro, pois, a partir desse movimento de troca entre memória e Banco de Dados, poderíamos perceber os movimentos entre usuário e máquina, inferindo sobre as distintas experiências audiovisuais que têm surgido no? YouTube.? Portanto, optamos por usar a cartografia como método intuitivo, a partir das proposições de? Gilles Deleuze (1988),? para identificar no? site? diversos audiovisuais que, de algum modo, estejam abarcados pela estrutura de Banco de Dados do? site. É uma ação diferenciada, pois, ao optarmos por certos objetos a partir de uma ideia pré-estabelecida do que imaginamos ser o virtual, podemos nos debater com uma coleção de imagens que pouco acrescente ao trabalho. Contudo, não é esta a ideia. Nosso interesse é ter uma vasta gama de materiais diferenciados, onde possamos perceber as diversas maneiras que o Banco de Dados possui para se atualizar nesses audiovisuais.O? YouTube? é material potente neste sentido, pois é um objeto novo que se caracteriza por não estar finalizado, posto que é atualizado constantemente. O audiovisual no? site? também está sempre se renovando. Qualquer novo material inserido no? site? já é uma nova imagem dentro de um novo Banco de Dados. Trata-se de um processo de produção inacabado.? Por outro lado, a cartografia não surgiu por si só na ideia de construir a metodologia desta pesquisa. Inicialmente, este conceito veio imbricado pela tentativa de compreender o? YouTube? como uma espécie de cérebro/memória capaz de armazenar diversas imagens, nem todas ativas constantemente, mas, ainda assim, armazenadas em um Banco de Dados. Foi nessa direção que encaminhamos os conceitos sobre Imagem-Corpo e de onde também mencionamos, segundo as proposições de McLuhan, que o Banco de Dados tornou-se uma extensão do cérebro humano. Extensão que permite ao homem armazenar mais informações do que o cérebro seria capaz, no entanto, utilizando ferramentas que se assemelham ao modo de trabalhar do próprio cérebro.A extensão cerebral, por outro lado, apresenta-nos um modo mais metafísico de intuir os objetos. Estamos associando aqui o cérebro ao computador, as nossas lembranças ? s memórias, ao Banco de Dados do? YouTube. No dia-a-dia, socialmente, quando nos comunicamos, estamos acessando constantemente nossas lembranças de modo quase automático para qualquer tipo de ação, seja para escovar os dentes ou fazer uma prova. E é somente através do acesso a diversas lembranças e o modo como o cérebro as interconecta que conseguimos tirar uma boa nota em uma prova ou lembrarmos que é necessário escovar os dentes e, até mesmo, como devemos escová-los.? “Existem tendências cujo estado se negligenciou e que se explicam simplesmente pela necessidade que temos de viver, ou seja, em realidade, de agir” (BÉRGSON, 1999:232).? Por isso, é preciso apreender o cérebro não tão somente como um? hardware, mas também como? software, como corpo social que não armazena simplesmente a imagem, mas que a significa.Deste modo, acredita-se que assim como o nosso corpo (cérebro) dá sentidos ? imagem, como nosso cérebro corporifica esse novo audiovisual sem referencial, já mencionado na introdução; esta imagem do? YouTube? (Banco de Dados) disponível em códigos binários também é responsável por novos conceitos. A partir do acesso ao? YouTube? e do reconhecimento de aspectos do? site? que apresentam características próprias do Banco de Dados, temos compreendido o? YouTube? como uma extensão do modo como as imagens organizam-se em nossa memória.
Em quê os repositórios audiovisuais atualizam o conceito de memória?
As lembranças, de acordo com Halbwachs (2004); Sepúlveda (2003); Bartlett (apud? SEPÚLVEDA, 2003); Casalegno (2006), entre outros, são possíveis não apenas com fragmentos de memória individual, ou seja, estes autores afirmam que a memória é sempre coletiva, na medida em que o homem é um ser social, que mantém experiências com outros homens e que assim sua memória é formada em conjunto com memórias alheias. (AQUINO, 2007, p.3)
Portanto, mesmo que tentássemos referir que há uma distância entre a memória individual pessoal e a memória coletiva doYouTube, seria equivocado, se não levássemos em conta que construímos nossa memória tão somente através da comunicação, do diálogo, da experiência conjunta com outras pessoas/memórias. Desse modo, ao invés de acessar o? YouTube? através das referências do meu próprio corpo, aceito o computador como sua extensão, para ali encontrar através das? tags? disponíveis a imagem que estou procurando.? Ainda que Hansen (2004) enfatize outros objetos empíricos para essa discussão,? ? o que nos interessa nesta pesquisa é observar como essa dependência do corpo-memória se reflete nos audiovisuais-Banco de Dados, percebendo que essas imagens agora se atualizam em nossos próprios corpos e que o movimento se dá através de uma espécie de sinapse nervosa que une nossos cérebros ao emaranhado de números que compõe a estrutura tecnológica computacional.
Ou seja, não chego a fazer esta relação propriamente, pois a experiência do Banco de Dados, ou da criação de novos audiovisuais é intrínseca ao próprio processo, não se trata de um diálogo, mas de uma intersecção entre o conceito de imagem corpo totalmente ligado a própria experiência audiovisual no YouTube. Pois o modo como o YouTube é formatado, e os modos que são produzidos os vídeos, como assistimos, como interagimos, como o software influencia, todas estas questões fazem parte da experiência audiovisual, e esta experiência é compreendida através da ideia de que a imagem só se atualiza em função do próprio corpo, ou seja, ela só acontece pois há um ser capaz de experimentar e modificar o audiovisual. Sendo ao mesmo tempo, também modificado, e portanto, tendo em seguida uma nova experiência.?
? O que é Youtubidade?